As queixas fazem parte do espírito do ser humano. Por tudo e por nada há que reclamar e mostrar que não se está satisfeito. Se chove é um incómodo pois a água molha, se a seca persiste é por isso mesmo. As razões são sempre as maiores e cada um é uma vítima maior do que o outro. Ser manipulador está na ordem do dia.
O sol, a estrela que nos bafeja com luz e calor, pode ser tão gratificante quanto nociva. Se os raios aquecem e dão vida por onde passam, também eles são revestidos de um lado mais negro e perigoso. Hoje está tudo muito bem, mas amanhã será uma desgraça. Nunca está nada bem.
Ter uma casa e comida na mesa é sinal de que se triunfou, mesmo que a vida de cada um seja anónima e sem palmas, significa que soube fazer a escolha mais certa para si. Não saber onde se possa dormir ou ter que se mendigar por alimento não será a melhor das situações, mas acontece e, nestes tempos de tanta incerteza, é como se fosse um regresso ao passado, quando as trevas cobriam a vida de muitos.
A sociedade não é estática e esse mesmo dinamismo pode ser pernicioso. Uns dias tudo está no topo, mas pode haver outros em que a base receberá quem, por variados motivos, caiu em desgraça e sentiu na pele as reviravoltas que a vida consegue tão bem, inventar. Nada é linear e tudo pode, num simples e mero instante, mudar. Os imprevistos são mesmo assim.
Hoje muitos tomam como garantido tanto, ignorando por completo o que isso mesmo possa significar. Abrir uma torneira e ter água corrente é um privilégio que muitos ainda não conseguem alcançar. Carregar num interruptor e ter luz numa sala levou anos para se conseguir, mas, novamente, é quase magia para tantos outros que a desconhecem.
Os contrastes continuam e até podem ser bem mais próximos do que se julga. Um vizinho que deixou de ter a capacidade de alimentar a sua família, um amigo que ficou sem casa, um conhecido que foi dispensado do seu posto de trabalho. Tudo pode acontecer nestes tempos estranhos e inauditos. Hoje há, mas amanhã deixou de haver. Ninguém sabe.
É o jogo do tudo ou nada. Uma forma tão macabra como pouco desportiva de serem lançados os dados. Cada jogador tem direito a uma vida e pode ser-lhe espoliada logo que o cartão, aquele que está no tabuleiro, indique o que fazer. De nada serve querer mudar a posição que o dado, esse bastardo, tem força mais do que suficiente para a todos agarrar.
Assim é a vida, com altos e baixos, som surpresas que alegram e que sabem entristecer, com amores e desamores, com ódios e vinganças, com a vida a sorrir e a morte a decidir. Nada de novo no panorama de viver. Ou sobreviver, pois, cabe a cada um fazer a sua escolha. Nunca certa, nunca errada, apenas a escolha.
Tudo ou nada significa que existem sempre dois lados da mesma questão. Tudo terá de ser assim, sem qualquer mutação e é aceite sem colocar a principal interrogação. Ser dogmático pode ser vantajoso. Ou não. Nada por se contestar tudo, por não se aceitar sem que seja encontrada a justificação do que aconteceu. Ser contestatário é mais trabalhoso e aliciante. Ou não.
No meio das cinzas do incêndio que é a vida de cada um, há uma fénix pronta a renascer, uma ave que quer voar, um demónio que insiste em ser solto para que a sua voz seja ouvida, uma vontade de querer refazer tudo, de ter uma nova oportunidade para voltar a ser o que se deseja.
Na verdade, já existe. Basta que os olhos estejam abertos, que a mente saiba entender e que o mais ínfimo de cada ser saiba sentir. Chama-se acordar, uma espécie de milagre da vida que é ofertado todos os dias para muitos. Ainda não o entenderam?
Respirar, saber que se tem o básico para continuar o caminho é maravilhoso. As queixas, essas podem persistir, que até dão sabor ao destino, mas o certo é que este é o rumo certo para encontrar o que todos buscam: a felicidade.