Porque se compram marcas?

Comprar uma peça de roupa de uma dada marca em detrimento de outra ou comprar um equipamento electrónico de uma marca em detrimento de outra. Quais são as razões que podem estar na origem destas escolhas?

Acima de tudo, trata-se de obter valor. No meu entender, identificam-se três tipos de valores: económico, social/estatuário e simbólico. O caso do valor económico explica-se pela valorização do mercado sobre o consumidor, a consumidora. Quando uma determinada marca com grande abrangência na sociedade promove uma acção de influência, a marca começa a valorizar mais o consumidor, fazendo com que este se sinta, por sua vez, mais valorizado. O caso do valor social/estatuário está relacionado com a crescente necessidade sócio-humana de elevar o estatuto individual em contextos sociais. O caso do valor simbólico encontra-se ligado ao mundo de símbolos que cada indivíduo gera em torno de si mesmo e que o faz ganhar auto-satisfação e, ao mesmo tempo, ser distinguível socialmente.

Deve ser o mercado uma fonte de apelo ao consumo consciente? Há muito debate em torno desta questão, na medida em que o próprio mercado impulsiona o consumo, graças ao Marketing e à Publicidade com estratégias específicas e segmentadas. Eduardo Camilo, em Homo Consumptor – Dimensões Teóricas da Comunicação, explica que a publicidade se assume como uma fonte económica de forte interesse pelos benefícios que daí pode trazer, por sua vez, no sentido de concebe-la com base em algo parecido com a commercial intelligence. Ou seja, difundir criteriosamente as informações de forma a promover uma boa atitude, economicamente viável e com impacto regularizado no campo mediático.

Sem esquecer o raciocínio anterior, há, portanto, dois pontos principais. Por um lado, as empresas sejam de maior ou menor dimensão necessitam de recursos financeiros crescentes; por outro lado, persiste a necessidade de uma dada marca transmitir uma imagem positiva e promove-la socialmente. Há cerca de sete anos atrás, a McDonald’s alterou a sua logomarca de fundo vermelho para fundo verde, simbolizando, assim, a ecologia, a sua posição defensora de boas práticas ambientais. Neste caso, esta cadeia de restaurantes incita aos consumidores a praticarem um consumo com base na salvaguarda do ambiente, o que reforça positivamente a sua performance por entre as massas consumidoras. Ao frequentarem os restaurantes em causa estão a fazê-lo com respeito à causa ambiental, pelo menos, aparentemente.

Com esta reflexão, coloca-se outra pergunta: até que ponto a auto-satisfação não leva à promoção da ideia de estar-se a vivenciar uma sociedade de aparências? A auto-satisfação consiste na satisfação própria que visa, por sua vez, obter, de modo directo e desinibido, valorização individual e, de modo indirecto e inibido, aceitação social. Erving Goffman distingue, na sua obra The Presentation of Self in Everyday Life, dois conceitos: a “performance” e a “fachada”. Ora, o autor trata de equiparar o indivíduo a um actor, colocando em dois grandes contextos: o teatro e os bastidores. Tal como o ser o humano, que desempenha diferentes papéis sociais, consoante os contextos em que se encontra inserido. Desta forma, graças à dominação do sistema capitalista globalmente vigente, acontece que se existem cada vez mais suportes incitadores ao consumo, devido à necessidade de obtenção de lucro, a auto-satisfação passa pelo indivíduo consumir para si mesmo como forma de obter uma boa recepção social. Por isso, a auto-satisfação faz com que a sociedade se envolva mais intensamente em aparências, o que leva os indivíduos a colocar a sua vida em torno de marcas.

No meio de todo este raciocínio em torno do consumo, do capital, da cultura do dar a conhecer, falta um fator: a qualidade. Até que ponto a qualidade pesa na carteira do consumidor? Não será este um ponto-chave para as marcas também? No caso do vestuário, a produção industrial da roupa encontra-se submetida a processos de controlo de qualidade, onde certas empresas são mais rígidas do que outras. Claro está, o cliente vão pagar tudo isso, de igual forma: quanto mais cara for a produção de uma dada peça, mais elevado será o seu custo em loja. Por exemplo, uma peça Primark tem um preço muito mais reduzido em loja do que uma peça Calvin Klein devido ao reduzido controlo de qualidade que a primeira tem e que se diferencia da segunda. Apesar disso, a qualidade vai também dar maior contentamento, cada vez que se diferencie pela positiva e isso é um factor que leva à compra também. A revista Forbes classificou este ano a Louis Vuitton como umas das 20 mais valiosas do mundo.

Agora, existem certas marcas que vendem por terem o seu próprio estatuto no mercado. Numa conversa com uma ex-operária fabril, muito recentemente, pude constatá-lo de forma mais próxima. A antiga profissional explicava-me que certas peças da Zara, como roupas, saíam da fábrica a custarem 2 euros e chegavam às lojas para serem vendidos a 30 euros. Tendo a Zara mais de 40 anos de história e um reconhecimento mundial, a sua posição comercial justifica os preços. O caso da Apple também é bem exemplificador: um iPhone chega a custar seis vezes mais em loja comparativamente ao preço que detém quando produzido.

Para concluir, ao comprar marcas compra-se satisfação própria, por gosto e pela busca de qualidade, mas também satisfação influente, quer de forma mais notória quer de forma mais diminuta, consoante a personalidade de cada ser social. Ou seja, a constante influência recebida socialmente gera igualmente nos indivíduos uma necessidade de ostentar ora mais ora menos produtos “marcados”, permita-se a expressão, de modo ora mais satisfatório ora menos satisfatório. Poderia perguntar-se até que ponto é moral comprar marcas. Então, contudo, surgiriam, de seguida, as questões: porque nos influenciamos tanto uns aos outros e porque é que isso define uma sociedade?

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