Tinha chegado ao topo do edifício. A vista era tão deslumbrante conforme lhe tinham dito. Respirou fundo. Sentiu a plenitude do momento e percebeu o que lhe diziam sobre o ser. Era. Sentia-se. Tantos anos com vontade de o fazer e o medo impedia de concluir a sua tarefa. O ar batia-lhe no rosto e uns pequenos fios de água soltavam-se dos seus olhos. Talvez fossem os sonhos que finalmente sabiam que eram reais e quisessem ter a certeza ou então eram somente lágrimas, puras e singelas que se soltavam nas alturas e se purificavam.
Ouviu os sons com maior intensidade. Afinal não soavam todos ao mesmo e até os conseguia distinguir com alguma nitidez. Ou seriam as cores? Ali tudo lhe parecia mágico e a cidade um formigueiro que abrigava a sua colónia. Via todos a caminhar apressados para destinos que nunca saberia entender. Só conhecia o seu e tinha decidido que o iria seguir à risca. A vida era sua e tinha todo o direito de a viver como muito bem entendesse. Tinha chegado o dia da sua libertação e sentia que não podia falhar. Era o momento certo.
Os seus olhos detiveram-se num ponto de luz. Seria a lua ou alguma estrela especial? Não a conseguia identificar. Seria Marte? Que cor era aquela? Brilhava com tanta intensidade que sentiu uma certa cegueira. Fechou e abriu os olhos e ela lá estava a olhar fixamente. Era uma espécie de feitiço e tornava-se difícil resistir. Uma melodia fez com que a cabeça se virasse. Encantadora e misteriosa. Parecia ter cheiro e obrigava a fechar os olhos. Que momento único e fabuloso. Teria sido assim que os marinheiros foram encantados pelas sereias?
Voltou a respirar fundo. Abriu os braços. Rodou e viu o outro lado da cidade. Era ali que viviam os menos afortunados. Casas mais pobres, mas sentia-se mais alegria no ar. Regresso a casa, ao lar e ao convívio de todos. Talvez conversassem sobre o trabalho, os colegas e até mesmo os patrões. Falavam, havia comunicação e vontade de estar junto. Numa janela, percebeu uma mãe que embalava o seu bebé e lhe cantava. Isso pensou, porque não conseguia ouvir. Enterneceu-se. Era bonito. Voltou ao lado inicial e notou os prédios tão fechados que não permitiam entrar na privacidade de quem lá habitava. Dois lados da mesma cidade e tão opostos.
Regressou a si. Há quanto tempo estava ali? Desde sempre ou apenas há alguns minutos? O tempo, esse enganador de vidas, está sempre onde não faz falta. E sabe cobrar o que deu levando quem não devia deixando os outros em prantos eternos. Respirou fundo mais uma vez. Fazia-se tarde. Aquela vista era mesmo espectacular. Subiu o lancil e sorriu. Estava feliz. Então era essa a sensação. Que bom! Sensacional. O momento era precioso. Olhou para cima e deu um passo em frente. Livre. Finalmente…