Sara Moreno (Beatriz Batarda, na sua estreia na televisão portuguesa) é uma grande atriz de cinema dramático, uma vez que tem uma grande capacidade de transmitir emoções e de começar a chorar, quando a cena assim o dita. Contudo, o que acontece, quando Sara perde o seu dom de chorar? Esta é a premissa da série “Sara”, que estreou na RTP2, no ano passado.
Sara pode já não saber chorar, mas precisa de continuar a representar. É a crise existencial dos 40 de uma mulher que se dedicou cegamente à sua arte, àquilo em que acreditava, e sacrificou toda a sua vida pessoal em nome disso. E que, por ser tão exigente, se consumiu a ela própria.
Isolou-se, vive à margem do salto das tecnologias, não existe nas redes sociais, não segue a moda, não vai a festas nem aparece em revistas de socialite. Só existe nos filmes de cinema, onde o dramatismo é rei e senhor. Só existe no pequeno apartamento onde vive e cuida de um pai doente que é também um importante escritor, tendo sido ele o grande responsável pela edificação dos princípios e dos valores de Sara. Contudo, desde o acidente em que perdeu a sua mulher, Henrique, pai de Sara, deixou de falar e só escreve sobre a morte e a velhice.
Farta das suas interpretações dramáticas e da profundidade dos seus personagens, Sara, juntamente com o seu agente que mais ninguém vê, decide fazer novelas. Quer fazer rir, mudar o registo, deixar os abismos e vê nas novelas o antídoto para a sua incapacidade de chorar. Contudo, não sabe como é viver como atriz de novelas. Precisa que lhe ensinem como funciona o mundo da representação em televisão, como ganhar dinheiro com posts de Instagram, como entrar no mundo das redes sociais para tentar ser patrocinada por marcas e como contracenar com um ator que a tenta seduzir.
Apesar destas adversidades, Sara é um sucesso na novela e o público adora-a, mas a série continua a retratá-la como sendo infeliz. Aquele mundo não é o dela e nada mudou. Odeia a forma, o conteúdo e o método de fazer novelas. Chega ao ponto de, num talk-show, perder o filtro em direto e assumir que sente que é uma atriz superior à “raça noveleira”.
No fim, Sara volta ao ponto de partida e põe fim aos trabalhos mais comerciais que tanto odeia, podendo, assim, voltar-se para o seu lado mais artístico.
Ao longo de todos os episódios, Beatriz Batarda representa a jornada de uma mulher que se tenta libertar das suas amarras pessoais e profissionais para se tornar verdadeiramente livre. A série parece conseguir com que o espetador se questione a si próprio sobre como atuaria se fosse Sara Moreno.
Não sei se foi este um dos propósitos deste projeto produzido por Marco Martins, Matilde Silveira e Alberto M. Rodrigues. Só sei que, se queriam criar um produto que pusesse as pessoas a pensar, pelo menos comigo conseguiram alcançar esse objetivo.