A morsa do marceneiro

Já há muito que venho criticando o actual estado de coisas na União Europeia. Não a União Europeia em si mesmo. Nada de confundir termos e de seguir frases feitas do estilo “ai e a tal és de esquerda e cospes no prato que te deu de comer”. Não sou de esquerda, nem de direita e muito menos do centro. Sou antes um cidadão como outro qualquer que viu todo um esplendoroso projecto europeu a desmoronar-se lentamente como um conjunto de dominós, após a entrada em vigor – à força, pois claro – do famigerado Tratado de Lisboa.

A ideia de se ter aprovado, repito, à força a entrada em vigor do Tratado de Lisboa tinha em vista a criação de uma espécie de “Estados Unidos da Europa”. Só que esta ideia morreu à nascença, por causa do “esfomeado” alargamento a leste que foi promovido, essencialmente, pela Alemanha e seus parceiros económicos e pela não adesão de Estados-membros da dita “elite do Norte” à zona euro.

Ora, tendo-se falhado o forçado Tratado de Lisboa, o mais sensato seria a classe política europeia ter dado um passo atrás para dar dois em frente, mas falar em sensatez na actual Europa é o mesmo que falar de petróleo na costa alentejana. Isto, porque o Tratado de Lisboa criou o eixo franco-germânico que não quer abdicar do poder que tem em prol da construção europeia. O resultado de tudo isto é aquilo que vemos hoje em dia: uma Europa partida em dois blocos (Norte e Sul), cujos Estados-membros, por força de uma tempestade perfeita (crise financeira, guerra na Síria e Brexit), são obrigados a extremar posições.

Obviamente que os países do bloco do Sul como Portugal sofrem com tal. Isto, porque estes enveredaram – por vontade própria – por um projecto que lhe retirou soberania, capacidade industrial e agrícola em detrimento de algo que apenas tem servido os interesses do bloco do Norte. Para mais, estes mesmos países do Sul são submetidos à morsa que o marceneiro do Norte “aperta” cada vez mais, pois a manutenção do actual estado de coisas assim o exige.

Claro que podemos e devemos ser honestos connosco e dizer que Portugal, Itália, Espanha, Grécia e outros têm muita culpa em todo este tremendo e triste cartório. Estes países tinham a obrigação de, no seu devido tempo e lugar, terem-se impedido de fazer parte de algo para o qual sabiam que não tinham capacidade, mas foram atrás de uma espécie de sonho que ao comum dos cidadãos custa entender.

Pelo menos a mim custa-me perceber que Portugal tenha entrado na zona euro, sabendo não ter condições para cumprir à risca a inflexível doutrina ultra-neo-liberal do Norte. Isto, porque é muito fácil mandar-se fazer, quando se tem capacidade para tal. Já quando não se tem, inventa-se e é muito por causa disto que temos o nosso Estado a falhar cada vez mais em áreas tão vitais como a prevenção dos incêndios, saúde, etc. E isto é ainda o início…

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