Manga (Mayra Andrade)

Capa do álbum “Manga”, lançado no dia 8 de fevereiro de 2019
Chegou a era de Mayra. Com as sonoridades africanas cada vez mais globalizadas e com este Manga, cujo primeiro single (“Afeto“) e restante produção parecem querer alagar o público da artista, o futuro adivinha-se próspero. O mesmo se adivinha para o próprio álbum, o quinto da sua carreira, que não só tem nome de fruto como deverá ser frutífero.
A sua presença nos palcos portugueses ou o eco do seu nome em cartazes de festivais podem ser tímidos, mas Manga pouco tem de timidez. Após seis anos de espera desde o lançamento do último trabalho (Lovely Difficult, 2013), e depois de um trajeto tão interessante até ao momento, parece que agora tudo deu um passo numa direção mais concreta, desde o grafismo do disco, até aos vídeos dos singles e à produção.
Os ritmos deste álbum são quentes, aconchegantes e por vezes até sensuais — como na faixa homónima, “Manga“, e em “Plena“. Quando não estão nessa onda, estão numa alegria infindável que junta a voz grave e convidativa de Mayra com a produção e arranjos de Jean-Baptiste Gnakouri e Romain Bilharz. O breve auto-tune de “Pull Up“, com uma certa kizomba vibe; o preenchimento belo de “Segredu“, um dos pontos altos do disco; o ritmo contagiante de “Limitason“; e mesmo “Vapor di Imigrason“, de letra e sonoridade nostálgicas, apresentam uma energia alegre, ritmada e vibrante. Os destaques vão, também, para “Tan Kalakatan“, “Badia“, “Kodé” e para a bonita letra e composição de Sara Tavares em “Guardar mais“.
Manga é um disco muito bem conseguido, que produz um casamento perfeito entre o cântico tradicional da cabo-verdiana, a música urbana e o afrobeat. Mayra era a promessa que, claramente, já se cumpria em talento mas que, agora, se cumprirá em visibilidade e audiência. Os sons do mundo estão na moda e ainda bem.
O Futuro não demora (BaianaSystem)

Capa do álbum “O Futuro não demora”, lançado no dia 15 de fevereiro de 2019
Os prodigiosos da Bahia vieram para ficar, está mais do que confirmado. Com o terceiro álbum de originais, O Futuro não demora, o grupo brasileiro que revolucionou a sonoridade baiana consagra-se em mais um momento de glória: este disco vem com intervenção, crítica, agressividade vocal e, claro, um som de excelência.
A força de uma sonoridade cheia de influências, desde a África, América Latina e, claro, até ao Brasil — que se vê engolido por um mar de violência e desigualdade social —, faz deste álbum uma continuação do que já se conhece do BaianaSystem. Ao mesmo tempo, as colaborações ritmadas, o aprimorado instrumental, a regência dos tambores e as letras interventivas reclamam o poder do povo e a empatia com as suas dores.
O disco começa na “Água” e vai até ao “Fogo“. Vem com uma identidade orquestral, em parte graças à participação da Orquestra Afrosinfônica — que colabora, precisamente, nessas duas faixas. E nas entrelinhas do álbum, ficam outras onze canções por explorar, em géneros como o reggae, o rap e o jungle. “Sulamericano”, com Manu Chao, é um dos destaques principais. Além de ser uma colaboração que fica bem patente no instrumental, a letra sobre golpes de estado e o fogo cruzado que queima as esquinas das ruas gera um sentimento de união entre os autores. Outros dos grandes destaques são “Bola de Cristal“, cuja letra relembra que você tem o poder de mudar o mundo; e “Saci“, contra o racismo e o machismo, em forma de rap bem assertivo.
Além da associação a nomes como Jocafi, António Carlos Jobim, Edgar, Curumin e mestre Lourimbau, bem como os que foram mencionados anteriormente, o BaianaSystem equilibra um sentido de intervenção e crítica com uma ideia de otimismo, boas energias e, até, alguma evasão. Mais importante do que isso, alimenta uma noção grupal, comunitária, de verdadeira empatia com o povo (principalmente o negro) que faz toda a falta e todo o sentido nos dias atuais. O fogo que queima em você também queima comigo.
By the way, I Forgive You (Brandi Carlile)

Capa do álbum “By the way, I forgive you”, lançado no dia 16 de fevereiro de 2019
O sexto álbum de estúdio de Brandi é um testemunho honesto de que somos todos feitos da mesma matéria. De carreira consagrada e já depois de alguns hits, que certamente permanecem na memória do grande público, a cantora e compositora estadunidense continua numa jornada de atribuição de significado.
Este By the way, I Forgive You realça — como é tão fácil de fazer quando se trata de Brandi — a voz multifacetada e maravilhosa da sua autora. Retrata, acima de tudo, a vontade, mas também a dificuldade, de perdoar. O conceito é aberto logo no início com “Every Time I Hear That Song“, mas ganha outros contornos ao longo do disco. Canções como “Most of All“, “Harder to Forgive” e “Party of One“, curiosamente as últimas três no alinhamento, elevam esse conceito de perdão e, à mistura, trazem alguns dos pontos mais altos deste trabalho.
Mais do que sobre perdão, By the way, I Forgive You é sublime na maneira como aborda a condição humana. “The Joke“, uma faixa claramente dirigida aos mata-sonhos da sociedade, reivindica as asas e os rodopios dos/as sonhadores/as; “Hold out your hand” é uma canção de esperança, cuja letra se posiciona num protesto contra o ódio que, cada vez mais, faz parte do quotidiano dos Estados Unidos da América (e do resto do mundo); “The Mother” é o terno pedaço maternal que Brandi escolheu partilhar no disco, numa espécie de serenata que dedica à filha, com uma composição deliciosa, comovente e sincera, sem qualquer artifício; “Fulton County Jane Doe” e “Sugartooth” são duas histórias verídicas e tristes, mas que igualmente se inserem naquilo que faz parte da condição humana — a morte de uma pessoa sem nome, cujo corpo fica décadas sem ser identificado, e o suicídio de um jovem toxicodependente que não conseguia deixar o vício (respetivamente).
Este álbum é um trabalho honesto, vulnerável, que coloca o/a ouvinte em conversa consigo próprio/a e que reassegura a vibe country, folk e americana que já fazem parte do repertório de Carlile. Felizmente, é também um registo versátil, com vários flows, várias abordagens poéticas, do ponto de vista da composição escrita, e inúmeras oportunidades criadas — e bem aproveitadas — para explorar as bombas que são as cordas vocais da artista.
When it’s out, put it loud.
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