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Ostentações de curto alcance

Nestes dias outonais frequento um café que tem vista para um jardim. Sento-me aí a bebericar um chá e a ver as árvores lá fora, e as crianças a saltitar nas poças, com as suas galochas coloridas. Às vezes consigo ler, outras fico atenta aos personagens com que o mundo nos brinda, bastando que estejamos atentos.

Na mesa mais próxima, distâncias covidescas cumpridas, um casal conversa em tom seriamente preocupado. Ao que percebi, que a voz subia de quando em vez, o senhor teria um problema de saúde e teria que efectuar alguns exames, mas não teria disponibilidade financeira. Estava já eu a lamentar o facto, que os tempos não estão fáceis, quando se levantam e fui visualmente atingida por enormes e coloridos logotipos de roupa de grife.

É comum os adolescentes terem essa preocupação, das marcas, das ostentações, falsos marcadores de pertença. Eu nunca tive essa preocupação, até porque não teria quem fosse na conversa, mas recordo-me que era relativamente comum querer-se ou ter-se umas calças ou ténis da marca tal. Hoje não é muito diferente, mudaram as marcas do momento, e basta aproximar-se duma escola secundária para ver como todos parecem saídos de farda, tal a similitude do que vestem e calçam. Tudo marcas, que a serem legítimas e originais, representam um investimento de centenas de euros. Não tendo capacidade para tal, procura-se uma produção forjada que não seja óbvia, na vã glória de parecer ser o que não é, ou melhor dito, o que não se tem.

E se estivermos atentos, sobretudo se tivermos uma vizinha zelosa do seu bairro, será fácil localizar alguém de ostensiva bijutaria que tem dívidas na mercearia, ou alguém que desfila ruidosamente com um carro de alta cilindrada, mas ultimamente até não o tem feito porque ainda não pagou à oficina onde foi fazer a revisão… Ou mesmo alguém que usa um censurável casaco de peles, mas não tem dinheiro para mandar cantar um cego.

O que me leva a pensar que mais vale ser que parecer, e como esta gente, não sendo, gosta de fazer crer. Para além de revelar uma extrema e óbvia insegurança, revela também a ridícula crença de que convencendo os outros, talvez se convença também a si próprio. Esta tentativa esforçada de exibir aquilo que se conjugaria facilmente com uma vida de desafogada riqueza, ainda que de gosto duvidoso, é um esforço desmesurado. Por um lado, parece ser o objectivo duma vida, mas que facilmente é revelado gorado. Por outro, há necessidades básicas que ficam para trás, como os cuidados médicos, a escolaridade, a alimentação saudável, uma vida sem grandes conjugações financeiras. São escolhas…

O mais grave é que o facto em si só é mais revelador da pobreza (ou da não riqueza) do que efectivamente o dinheiro que tem no banco. Os verdadeiros ricos, aqueles que não precisam fazer contas, não têm esta necessidade de uso do espampanante e da ostentação. Tendo educação e gostos requintados, e não apenas dinheiro,  são mais discretos nas suas aquisições, que muitas vezes passam despercebidas ou só são notadas pelos verdadeiramente sofisticados. De contrário, não são ricos, são apenas novos-ricos, com tudo o que de burguês isso traduz.

De entre os mais pobres, aqueles que precisam desalmadamente marcar posição para se sentirem enquadrados, sabotam toda uma possível melhoria de vida. Assim, na busca obsessiva de mostrar um telemóvel de centenas de euros, que demoraram meses, e sabe-se lá a que custo, a conseguir comprar, apostam tudo num cavalo que a médio prazo não lhe trará qualquer prémio. Continuam pobres, mascarados de ricos, mas com uma dessas fantasias básicas do chinês, que se denuncia claramente nas fracas costuras.

Dizem que os ricos, os verdadeiramente ricos, o são porque não gastaram tudo o que conquistaram. O dinheiro foi feito para gastar, é certo, e se temos gostos caros, e se o dinheiro é nosso, talvez possamos fazer uma excepção à cautela financeira quando o rei faz anos. Todos merecemos mimar-nos, cometer uma ou outra loucura, mas nunca, nunca antes de ter salvaguardado o essencial.

E a opinião alheia, ou pelo menos a que vai em engodos, não é, de todo, essencial.

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