A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é.
– Victor Hugo
Existem verdades incontornáveis das quais por mais que queiramos nunca nos conseguiremos desligar, e esta de gostarem de nós pelo que somos, ou apesar daquilo que somos, é uma delas.
Nesta sociedade em que vivemos, é um facto assumido pela generalidade das pessoas, que poucos mostram verdadeiramente quem são ou aquilo que na realidade são. No entanto, existem sempre na nossa vida aqueles que nos conhecem e ainda assim gostam de nós como somos, mais do que aquilo que valemos enquanto profissionais ou elementos muito ativos na sociedade em que vivemos.
Poderão dizer alguns que são frases feitas, ideias fora de tempo, podem até mesmo chamar-lhes clichés, mas que importa o que os outros pensam, se os seus pensamentos nada acrescentam à nossa felicidade?
De que serve passar uma vida inteira a tentar agradar aos outros, querer ser o mais bonito, o mais simpático, o mais sociável, aquele que tem sempre imensos amigos e uma vida cheia de sorrisos e de felicidade? Se por vezes até quem sabe, essa mesma pessoa que parece ter uma vida tão fantástica e extraordinária pode mesmo ser o mais solitário de todos nós.
Sim, porque ser sociável e muito bem aceite e até querido pelos demais na sociedade, não significa necessariamente que se seja feliz, menos ainda que se seja amado, pois, uma situação não é sinónima da outra.
Bonito é ver nos olhos de um amigo a alegria por nos ver, o sorriso sincero que nos envolve num abraço de carinho que ainda que seja invisível, nos aquece de tal modo, que a nossa alma até parece que ganha uma nova aura, com o aperto daquele aconchego.
E essa suprema sensação de que temos em nosso redor, não muitos mas verdadeiros amigos, que nos amam não por aquilo que parecemos ou temos, mas acima de tudo pelo que significamos uns para os outros, é em meu entender a mais digna razão para a existência de um ser humano.
Um ser humano que existe e não vive apenas com os outros. No entanto essa é uma sensação que infelizmente muitos dos seres humanos deste mundo nunca terão oportunidade de sentir, por uma simples razão, não vão ter oportunidade para tais perdas de tempo.
Li um dia destes que não é por acaso que nos designamos por seres humanos, porque nós somos humanos, não estamos humanos. A nossa existência é isso mesmo, ser e este ser é algo que pode ser tão bonito e tão verdadeiro, e tão imensamente intenso que vai muito mais além daquilo que é a nossa vivência do dia-a-dia.
Infelizmente, nunca ninguém tem tempo para se preocupar muito com isso… essa coisa de ser humano, e não ter necessidade de ter máscaras e parecer bem, ser simplesmente como é.
A vida corre tão louca, que nós quase nem temos fôlego para a acompanhar, na verdade, por vezes chegamos a ver-nos mesmo aflitos para a conseguir calcorrear.
E, no entanto, bastaria que conseguíssemos sair, ainda que por breves instantes, da insensata azáfama em que nos deixamos envolver todos os dias, e em que permitimos que a nossa vida se transforme, e nos permitíssemos de facto viver.
Contudo, viver na verdadeira acessão da palavra, no pleno significado que ela representa, sem máscaras, sem subterfúgios, sem falsidades nem mentiras, apesar de crescidos, avaliar a vida e as pessoas através dos olhos de uma criança, sem qualquer ponta de maldade.
Pois, era bom se assim conseguíssemos fazer, é a tal mudança do mundo de que muitos falam, que é muito importante que aconteça, mas de facto poucos são os que a fazem acontecer nas suas vidas, na expectativa de que essas mudanças se reflictam posteriormente no mundo que nos envolve.
Quantos de nós têm ainda daqueles amigos que apenas com uma troca de olhares dizem ao outro tudo o que há a dizer, no mais completo silêncio, em que apenas eles se entendem?
Tal qual um código, o olhar que nos liga a quem gosta de nós e de quem nós naturalmente gostamos é uma corrente demasiado forte para poder ser entendida pela ciência e há sensações e sentimentos que não podem ser medidos.
As emoções e os sentimentos são próprios dos seres, humanos e outros, e a nossa vida deveria ser mais baseada na emoção do que na razão, tudo seria com certeza mais bonito, mais agradável e até mais saboroso.
Sim, porque a nossa vida também pode ser saborosa, quando estamos perto daqueles que verdadeiramente nos conhecem, a vida sabe-nos melhor, respiramos de forma mais leve e tudo parece tão mais simples, ganhando uma dimensão tão relativa face a tudo o resto que nos rodeia.
A riqueza da existência humana reside justamente em saber valorizar aquilo que de facto os seres humanos têm dentro de si, mas que por razões várias deixam que seja recalcado e que vá aos poucos sumindo da nossa vida, e por vezes até deixe mesmo de fazer sentido estar a pensar nelas.
É tão bom quando sentimos que verdadeiramente gostam de nós apesar do que somos e não porque temos o lugar X na empresa Y que é muito conceituada. Não é isso que vale na vida, porque na empresa qualquer um é substituído, é verdade que uns são mais fáceis de substituir do que outros, mas isso é outro tema.
O que importa verdadeiramente é perceber que para quem nós somos verdadeiramente insubstituíveis são os tais que nos conhecem tal qual nós somos e que nos conhecem em traje mais formal, ou em modo completamente alucinado de fim-de-semana de loucura e brincadeira.
É seguramente nesses que a nossa ausência será notada. São aqueles que partilham connosco a verdadeira essência dos momentos da vida, diria mesmo, aqueles que nos conhecem por dentro e por fora. Conhecem, como diz a canção do Rui Veloso, o nosso lado lunar. E mais do que conhecer, gostam de nós também por causa desse lado lunar, e ainda assim ficam do nosso lado e sentem a nossa falta quando por algum motivo estamos mais tempo sem conviver.
A magia da vida reside na pureza e verdade dos sentimentos que dedicamos aos outros, o universo reflete em nós o que oferecemos aos outros e necessariamente quando estamos entre amigos o clima de camaradagem e de cumplicidade aumenta, e são esses momentos que nos transportam ao que é a verdadeira essência da nossa passagem por este planeta.
Sim, porque essa é outra questão, vivemos como se fossemos eternos e a adrenalina louca em que a nossa vida se transformou, leva juntamente a que cada vez mais a passagem seja mais curta. Às vezes, é a tremenda pressa que temos em viver a vida que nos leva justamente mais cedo para fora dela.