Os acasos não existem

Os acasos não existem. As pessoas não se procuram. Há almas que se reconhecem. Há corações que eternamente se amam. Há caminhos que se cruzam, com ajuda da mão divina da vida, que as empurra para as encruzilhadas do destino. Destinos que não são coincidências, mas que, por vezes, alteram as nossas pacatas existências.

Foi assim que a história deles aconteceu!

Ela era uma eterna sonhadora. Ele vivia na sua solidão, sempre com os dois pés assentes no chão. Ela queria voar, mas faltavam-lhe as asas. A vida somente lhe tinha oferecido sonhos e eles não a deixavam voar. Ele era uma ave, um eterno viajante. Os seus pés tinham criado asas para que pudesse percorrer todo o mundo. Ambos sonhavam com o amor. Ambos se questionavam sobre o lugar onde, um dia, se poderiam vir a encontrar. Andaram por aí, pelas ruas largas da vida, pelos becos que, por vezes, pareciam escuros. Percorreram as estradas sinuosas da vida, curando todas as dores com que se cruzaram. No entanto, olhavam para o futuro com um olhar de desconfiança, porque começavam a acreditar que o amor lhes fugia por entre os dias que já não contavam, com receio de que o fim chegasse antes deles se terem encontrado.

Ela foi-se tornando numa sofredora. As dores já não lhe doíam. Ele era um eterno lutador e já nada lhe metia medo. O mundo era pequeno demais para ele e seria capaz de ir até ao fim do mundo atrás de um sonho. Ela, já sem forças, começava a baixar os braços, porque as asas teimavam em não lhe nascer e o peso da solidão não a deixava erguer-se. Ele fingia que era um homem forte, para que a tristeza não o agarrasse nas madrugadas em que queimava cigarros, sentado na varanda, enquanto falava com os seus sonhos. Queimava as horas, juntamente com os cigarros, para não aceitar que o tempo estava a avançar e que a distância entre eles parecia cada vez maior.

Ela sonhava, mas escondia os seus sonhos da madrugada, com medo que a madrugada não deixasse o sol amanhecer, para com um sorriso a convidar a enfrentar mais um dia. Ela tinha medo que a madrugada lhe levasse a pouca esperança que lhe restava. Tinha medo que a noite se prolongasse e para sempre o amor lhe fugisse, por entre os dedos das mãos, que já não sabiam escrever o que o coração sentia.

Um dia, porém, a vida fez da noite um belo dia e da madrugada a estrada perfeita para ele chegar até ela. A vida disse-lhe, ou melhor ordenou-lhe, que ele batesse naquela porta e que pedisse água para saciar a sua sede.

Ela abriu-lhe uma janela, para que o calor pudesse entrar por ali a dentro. E foi, quando ela abriu essa janela, que viu que ele estava a bater na porta principal do seu coração. Ela olhou-o, ainda antes de ele ter tido tempo de a ver. Olhou para ele e não viu nele um desconhecido. Aquele era o amor que lhes estava prometido, mas mesmo assim teve medo do inesperado. E foi vestida com esse medo que abriu a janela, mas isso foi o suficiente para a refrescar de todo o calor que aquela visão lhe tinha provocado.

Despiu-se, então, do medo que vivia agarrado a ela. Foi a correr abrir a porta, antes que ele se fosse embora. Ele olho-a e (re)viu-se naquele olhar. Estava ali a parte que lhe faltava. Estava ali o amor que, sem saber, ele procurava. Ela era a outra parte dele. Ele a metade que lhe faltava a ela.

Ela deu-lhe água, deixou-o beber na fonte do amor. Ele refrescou-lhe a tentação. Juntos saciaram a sede que lhes provocava tanta secura nas suas duras existências. Ele não disse tudo o que o coração lhe pedia, mas ela escutou os seus gritos de amor, que a ensurdeceram e fizeram com que começasse a viver na cegueira dum amor.

Ela abriu-lhe os braços e ele desenhou-lhe as asas. Caminharam juntos nas pegadas que ele tinha deixado pelo mundo. Viajaram por aí sem qualquer rota, entregues ao amor que a vida lhe emprestou. Vão continuando a ser felizes, sem pensar no que está para vir. Afinal, na vida não há acasos, nem prazos. Tudo acontece quando tem que acontecer, no momento certo em que a vida faz o milagre acontecer.

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