Na noite do sábado em que almocei e conheci os meus correligionários do Repórter Sombra fiquei em casa. Em Outubro, as noites começavam a arrefecer e, qual velho a habituar-se às respostas que o corpo vai dando ao avançar da idade, fui ganhando o gosto pelo equilíbrio entre os jantares fora e o aconchego do lar numa sessão de cinema caseiro, aninhado no sofá à meia-luz, sem o espectro de acordar cedo no dia seguinte.
Percorri a box à procura de um filme do meu agrado e, numa nova “escolha de velho”, a duração do filme (106 minutos) fez-se determinante na selecção da pelicula, não fosse o sono boicotar o serão: Dunquerque de Christopher Nolan, realizada em 2017, foi a eleita.
Deixei passar o filme no cinema, mas a curiosidade permaneceu, apesar de não gostar muito de Nolan (adoro, contudo, a temática da II Guerra). Reconhecendo que em televisão, o filme não tem um décimo do impacto que deverá ter no grande ecrã, devo dizer que, não me tendo enchido as medidas, a ideia da Batalha de Dunquerque é de uma beleza e de um romantismo que dificilmente voltarão a ser possíveis: a requisição de centenas de barcos de recreio britânicos para atravessar o canal da Mancha e resgatar mais de 300 mil homens encurralados numa praia no norte de França é algo irrepetível nas guerras subsequentes. Além disso, a edição do filme (ou montagem) é provavelmente a melhor que já vi até hoje. A montagem é, a par do argumento e da realização, a grande responsável pela forma como a história chega ao espectador e neste filme, as três micro-histórias que vamos vendo alternadas e em paralelo (e que se vão fundindo na grande história) estão “encaixadas” de uma forma magistral. É um exemplo do poder da edição na forma de transmitir uma história.
Setenta e cinco anos antes um outro filme sobre a II Guerra incluía a batalha de Dunquerque. Foi há uns quinze anos que vi o vencedor do óscar de Melhor filme em 1942, A Família Miniver (Mrs. Miniver no original: o título em Portugal vai alternando). Se Dunquerque é um filme bélico com toques de humanismo, Mrs. Miniver é um filme sobre o esforço humano que na rectaguarda contribuiu para o apoio aos homens na frente de combate. Não é ao acaso que opto pelo título Mrs. Miniver pois nele, é o desempenho dos que, na rectaguarda, contribuem para o sucesso da batalha que é enaltecido, e entre esses, o papel da mulher sobressai com uma importância acrescida. Greer Garson tem o papel da sua vida.
Não faço segredo ao olhar para a década de 40 como a mais mágica, bonita e impressionante da História do Cinema. Aquela que é para mim a principal responsável por olharmos para o cinema do modo como que o fazemos e por ter estabelecido uma certa forma de contar uma história, que perdurou nas décadas seguintes. Foi a década de ouro que sedimentou o film noir e na qual nasceu o neo-realismo; foi a década que nos presenteou com Casablanca, Ladrões de Bicicletas ou O Mundo a seus Pés.
E pronto… já divaguei… voltando aos carris para terminar: A Batalha de Dunquerque em Mrs. Miniver… um feito ao contar uma história sobre a História a acontecer no momento (no ano seguinte, Casablanca viria a imortalizar esta audácia). A Batalha de Dunquerque em Dunquerque… um olhar para a História sob o filtro do tempo, dos costumes e, obviamente, da evolução tecnológica.