O que ela levava dentro do ventre era uma palavra, uma nota musical, uma cor na ponta do pincel que pousa em cima da tela.
Não era um bebé, não. Não era uma vida, não. Era uma possibilidade. Uma possibilidade de bebé, talvez, uma possibilidade de vida.
Deixar as mãos embalarem a barriga era uma bifurcação. Era olhar para a direita e para a esquerda e escolher. Era empurrar quem ela era por um precipício e vestir outra pele para caminhar entre outras ramagens.
Deixar as mãos reconhecerem aquela possibilidade era desenhar um contorno, finalizar esse movimento de escrever a palavra, de tocar a nota, de balançar o pincel. E depois aprender uma língua, dançar uma música, ser um quadro.
No entanto, o que ela levava dentro do peito não era possibilidade. Era medo, desilusão e arrependimento. Não tinha mãos para embalar nem para reconhecer nada. Tinha dedos que ainda estavam a aprender a inventar os contornos invisíveis do futuro. Não tinha meios para trilhar outros caminhos que não o do desconhecido.
O que ela levava dentro do peito não era amor. Não, o que ela levava dentro do peito não era amor. Era vazio. Era tristeza. Era certeza.
Por isso nunca tocou na barriga. Não deixou as mãos fazerem nada que a comprometesse. Silenciou-as. Deixou o peito livre para toda a certeza de não querer aquela possibilidade de bebé, aquela possibilidade de vida.
Ela não sabia que abortar possibilidades também fazia sangrar.