Quando era miúdo, gostava muito de ir ao circo e ver toda aquela emoção, sentir a adrenalina, a alegria, as risadas e a diversão. Contudo, havia sempre um número que me fazia confusão, o do atirador de facas. Nunca consegui compreender o porquê duma donzela se colocar presa num plano fixo, ou a rodar, enquanto um homem, com enormes facas na mão, as atirava, sem nunca lhe acertar, claro. Desde 2011 que me apercebi da montagem de uma grande estrutura de circo, com diversas pistas, em plena Lisboa. Creio que a obra já foi concluída há algum tempo, mas a maior parte dos números ainda há pouco começaram a ser vistos. O último decorre na pista cor-de-rosa e é precisamente o número do atirador de facas, onde claramente António Costa já anda a treinar há bastante tempo e António José Seguro já faz de donzela que se coloca na plataforma giratória, sempre com um sorriso, há mais tempo do que alguém poderia supor.
Domingo foi um dia memorável. Assis precipitou-se para um discurso de estrondosa vitória (que se revelou de apenas 4% sobre PSD/CDS), que Seguro teve de corrigir horas mais tardes, apontando as baterias para a pesada derrota da direita. O que se seguiu foi o previsível. António Costa, pela segunda vez desde que Seguro é líder do PS, mostra-se disponível para liderar o partido, após a vitória de Pirro (como lhe apelidou Soares) conquistada pela equipa do actual líder. Neste momento, o que se vê é um Seguro na plataforma rotativa, com António Costa a atirar facas, já apoiado por alguns dirigentes socialistas que atrás lhe vão dando mais umas munições.
Este episódio, que, segundo Seguro, veio transformar a vitória do PS numa derrota, a meu ver veio apenas revelar a realidade do partido do Largo do Rato. Numa altura em que, sozinho, o Governo consegue perder consenso, reunir à sua volta mais contestação e dar imensos tiros no pé (quase um daqueles números de circo que ninguém gosta, toda a gente contesta, mas que tem de se esperar que acabe), o PS continua a não conseguir capitalizar votos, nem apoio à sua volta e, sejamos honestos, totalmente graças à parca e insegura figura do seu líder.
O povo continua a não confiar num PS que mantém nas suas bases figuras de um governo que levou o país ao resgate, que não apresenta qualquer tipo de solução verdadeiramente alternativa e, ainda, faz o contrário, tenta ludibriar com promessas ridículas, como acabar com os sem-abrigo em quatro anos, baixar os impostos e subir os salários. A falha de Seguro nestes últimos anos, para além do pedido constante de eleições antecipadas, como um disco riscado ao estilo duma esquerda mais radical, é menosprezar o povo, achando que este não percebeu já que estas melhorias não irão acontecer tão cedo duma forma tão significativa, mas que necessita de maior alento e esperança.
Para além disso, face às melhorias dos resultados económicos, as possibilidades de poder fazer ligeiras modificações ao panorama fiscal ainda entre este ano e o próximo, podem dar ao Governo armas contra um PS que continua fraco e sem conseguir, ao fim de dois actos eleitorais e de três anos de profunda austeridade, destacar-se verdadeiramente dos partidos do Governo, nomeadamente do PSD.
António Costa surge como uma figura que, aparentemente, parece ter a capacidade de reunir consensos e até fazer uma coisa que Seguro não consegue, ir buscar votos à direita e à esquerda. Começam a surgir os primeiros nomes fortes de apoio a Costa, dirigentes que já perceberam que, com Seguro, a vitória do PS nas próximas legislativas será muito curta (demasiado até, obrigando a consensos que, aos olhos do país, podem não ser de todo interessantes), ou até poderá estar mesmo comprometida. Contudo, ao que parece, Seguro não quer eleições dentro do partido e até alega ter o apoio de maior parte dos dirigentes, o que parece antever um combate interessante daqui para a frente, com muitas mais facas a serem lançadas a partir de agora e uma lenta e agonizante destruição do actual líder.
Creio que existem uns quantos amoladores de facas, entre a zona da Baixa e o Largo do Rato, que vão fazer muito bom negócio nos próximos meses.