(…), aprendemos com todos eles. E isto começa desde tenra idade, com a curiosidade sempre na ordem do dia. Como fui criado ajudou. A liberdade do final dos anos oitenta/início dos anos noventa é uma marca indelével na minha formação — mais do que qualquer grau académico. A leitura fez parte dos eternos tempos livres após a entrada na escola primária. Desde então, a ficção científica moldou o meu pensamento, mas, felizmente, não impediu a descoberta de outras literaturas, de outras formas de ver o mundo.
Nessa altura estava longe de descobrir Westeros e a Terra-Média, Arrakis ou Urras. A ficção não conhecia fronteiras na minha cabeça, mas estava longe, muito longe, de conhecer estes universos. E foi logo aí que duvidei das minhas capacidades da escrita de um livro. Essa dúvida legítima transformou-se em certeza após conhecer o sonho recorrente que é o realismo mágico de Gabriel García Márquez e de Haruki Murakami. Será que aprendi a desistir com a literatura? Não creio. Aprendi, sim, a entender as diferenças entre nós e os grandes. Afinal, escrever, todos podem, mas mudar a vida de milhões através da escrita é outro campeonato. E continuo com a certeza de que estou fora dele. Em Portugal, num pedaço tão pequeno de terra, temos heróis capazes de tal feito. Continuando na ficção, José Saramago aumentou os limites desta e juntou-os às necessidades da sociedade portuguesa e às suas características inerentes.
Quando não esperava chegou o realismo e a minha preferência portuguesa. O traço subtil de Eça, o meu preferido, o transporte para uma época que eu não conheci, partilhado por Aquilino e por Camilo Castelo Branco. Rentes de Carvalho, o primeiro que li, onde me encontrei no Norte por ele descrito, tão meu conhecido nas histórias que ouvi desde criança — saudades desse tempo de histórias. Com portugueses, as viagens não ficam por aqui. José Luís Peixoto apresentou-me ao negrume da Coreia do Norte, enquanto Miguel Sousa Tavares trouxe a luz através dos seus romances históricos — e logo a mim, que cético, não o considerava um escritor digno desse título.
Essa luz continuou para o ocidente e incidiu nos títulos de histórias norte-americanas, com Harper Lee, Paul Auster e Steinbeck, assim como a descoberta de mundos novos de origem latina, com Eduardo Galeano e Roberto Bolaño. Aqui, mais uma vez, a forte tendência de caracterização da sociedade, a conjugação da história continental e, acima de tudo, a necessidade de ler histórias sobre o ser humano, manteve-me no rumo correto. É por isto que continuo a perder-me nestas páginas. Ainda na história, a necessidade de descoberta de clássicos levou-me à época pré-vitoriana com Jane Austen e Charlotte Brontë. Porém, ainda não se sonhava com o Brexit e já eu separava as águas no estilo com mais história vinda de Dickens, Annie Ernaux e Elena Ferrante. O estilo biográfico chegou, e com ela a certeza do meu interesse pela história comum; cada um de nós, ao seu jeito, pode ser um super-herói.
Um leitor ávido de páginas, de aprendizagem, de empatia com o próximo, não pode ficar fechado no estilo preferido. Nesse sentido, os livros foram se sucedendo, assim como a entrada em novos autores, para mim, já que todos eles têm lugar na lista de clássicos. Ainda antes do terror tradicional, com William Peter Blatty, H. P. Lovecraft, Edgar Allan Poe e Bram Stoker, ou do apocalipse humano com Cormac McCarthy, conheci os episódios mais horrendos com a memória de Primo Levi, Anne Frank, Art Spiegelman e Elie Wiesel acerca da barbárie da Segunda Guerra Mundial. Por este motivo, e através do meu pessimismo, não pude deixar de olhar para as distopias, peças preparatórias do que espero não encontrar. Infelizmente, autores como Orwell, Philip K. Dick, Ray Bradbury, Aldous Huxley e Margaret Atwood conseguiram imaginar ambientes e ações que não estão distantes dos acontecimentos contemporâneos.
Moldado por tudo isto, já não ouso falar num estilo mais apreciado. Tudo é lido com interesse e voracidade, tentando apreender tudo o que este cérebro com trinta e oito anos consegue. Ainda assim, esta jovem massa, que quer estar em todo o lado ao mesmo tempo, tem um fraquinho pelas eternas possibilidade de viagem, devido a pessoas corajosas como Paul Theroux e Luís Sepúlveda.
Vou utilizar uma palavra que melhor descreve tudo o que apreendi ao longo dos anos com este refúgio entre páginas. Não creio que seja um sentimento unânime, mas a empatia parece a palavra acertada dentro de tudo o que consegui retirar dos livros lidos até hoje.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico