Igualdade

Em Dezembro passado, nos Estados Unidos da América, uma rapariga de 17 anos, transgénero, suicidou-se por os pais a estarem a obrigar a seguir uma terapia religiosa de reconversão sexual, indicada por uma organização religiosa, que pretendia “curá-la” e torná-la novamente num rapaz. Na sua nota de despedida, escreveu: “A única forma de descansar em paz é se um dia os transgénero deixarem de ser tratados da mesma forma que eu fui”.

Ontem, os jornais noticiavam que Barack Obama pronunciou-se, pedindo o fim deste tipo de prática indicada por organizações religiosas, psiquiatras e outros terapeutas, unindo-se uma vez mais à defesa de igualdade de direitos, tendo, inclusive, sido indicado que iniciou reuniões com legisladores, embora não esteja, para já, em cima da mesa, a criação de legislação neste sentido.

É um caso LGBT, mas poderiam ser tantos outros casos, de tantas áreas diferentes. Hoje, tantos anos depois do fim de situações como a escravatura, ou a desigualdade de género, depois de tanto que este planeta já viveu com a arrogância de uns e a tentativa de supremacia de outros, massacrando e destruindo, parece que ainda pouco compreendemos sobre o que é ser humano. Hoje até se vê algo ainda pior, os que foram subjugados, que sofreram na pele a desigualdade, em plena atitude de vingança, passarem a ser os subjugadores, tornando-se igual, ou piores do que aqueles sobre quem, um dia, pediram justiça.

Sempre tive a crença de que, se alguém tenta subjugar o seu semelhante, é porque, no fundo, se sente inferior, em algo, a ele. O ódio contra as mulheres, contra homossexuais, contra outras raças, ou contra a mesma, revela, a meu ver, uma tão desesperada tentativa de afirmação perante a frustração de não conseguir assumir a sua própria individualidade. Revela também uma supremacia do ego, uma necessidade de conquista de um virtual poder, como aconteceu, e hoje ainda acontece, com o domínio territorial.

O reconhecimento da igualdade passa, primeiro que tudo, pelo reconhecimento da individualidade de cada um. Só podemos aceitar que todos somos iguais, quando também reconhecemos que todos somos únicos e singulares, com capacidades e dons que apenas nós mesmos temos. Parece um certo paradoxo, mas o fundamento deste pensamento é muito simples.

Quando eu reconheço que sou único, trabalho em mim e com as minhas capacidades para dar algo ao mundo que só eu poderei dar. Poder-se-ia pensar que seria arrogância, mas, se assim fosse, diria que não sou único, mas sim melhor e aqui não se trata disso, mas sim de reconhecer a minha individualidade. Quando eu reconheço esta mesma unicidade, sei que não preciso de me comparar com ninguém, nem viver em competição, pois eu não vou trazer ao mundo o que quem está ao meu lado poderá trazer, assim como ele não irá trazer o que eu posso.

Olhemos o mundo que construímos, baseado em competição e conquista, onde ensinámos às crianças que têm de bater records, não porque se têm de superar e trazerem algo ainda melhor ao mundo, mas sim porque têm de conquistar aquilo que parece ser escasso, o lugar no pódio. Os miúdos, desde pequenos, comparam-se, os pais comparam os seus filhos com os dos amigos, carregando essa energia para um caminho de vida, onde acreditamos estar em concorrência, em competição, porque, na realidade, somos números.

Igualdade é individualidade. A luta pela igualdade começa de dentro para fora, por uma enorme tomada de consciência individual de cada um de nós, que levará, em última instância, ao fim de uma cultura de competição e conquista. Talvez não seja vivo para ver isso a acontecer, mas acredito que lá chegaremos.

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