A tecnologia evolui num ritmo inigualável, expectável para visionários, impensável para conservadores, muitas vezes incompreensível para cidadãos comuns. Com a tecnologia, evoluiu também a sociedade, e sucedem-se em catadupa as alterações dos hábitos intelectuais.
Num momento em que se fala de como os jovens são hoje quem mais lê e se atribuiu esta alteração de hábitos às redes sociais, que conseguiram captar a sua atenção para a leitura, trazemos à discussão um outro fenómeno das redes sociais: os memes. Através do humor, os memes estão a modificar a abordagem de comunicação, principalmente nas redes sociais.
A tecnologia proporciona incontáveis e inquestionáveis vantagens para o quotidiano. Ao mesmo tempo que beneficiamos das comodidades proporcionadas pelas redes sociais e plataformas digitais, como a criação de clubes de leitura, por exemplo, abrimos também espaço para uma cultura de entretenimento, considerada por alguns como vazia de conteúdo, aproveitada por outros para campanhas de marketing.
Os memes, como os conhecemos hoje — imagens ou vídeos curtos acompanhados de legendas engraçadas ou irónicas, que se têm popularizado de forma avassaladora, que são compartilhados em massa nas redes sociais, que geram risos rápidos e distração momentânea — surgiram no início da década de 2000. Difundiram-se na Internet, sendo que a sua viralização se deveu às redes sociais. Podemos dizer que o principal objectivo do meme é divertir. Não obstante, eles podem transmitir mensagens, ser usados para protestar sobre determinado tema ou alertar para um problema emergente. Os memes podem ter ausência de conteúdo útil ou, pelo contrário, tentar fazer com que os indivíduos reflitam sobre um determinado assunto. Normalmente, os memes não são criados por profissionais e não possuem preocupação com as repercussões do conteúdo. São, não raras vezes, qualificados como “digital trash” ou cultura inútil. Contudo, será essa cultura assim tão inútil? Podemos entregar-nos à cultura do meme, fazer scroll nas redes sociais de forma vazia, no entanto, também podemos aumentar a nossa capacidade de pensar criticamente, analisar as informações que os memes nos trazem e refletir sobre o mundo ao nosso redor.
O pensamento crítico é essencial para a construção de uma sociedade informada e participativa. Permite questionar, analisar diferentes perspectivas e formar opiniões. Os memes, embora possam ser engraçados e proporcionar algum entretenimento, podem oferecer uma visão superficial e simplista dos acontecimentos, muitas vezes baseada em estereótipos e generalizações. Razão pela qual devemos ver os memes como um desafio para o desenvolvimento do pensamento crítico. A leitura e a busca por informação são fundamentais para a ampliação de conhecimentos e para a formação de uma visão de mundo mais ampla e mais consciente.
Muitos têm preferido o consumo rápido e fácil de conteúdo, em detrimento de uma busca mais aprofundada por conhecimento. Não obstante, os memes não são fontes de informação válidas por si só. Podem ser pontos de partida para despertar a nossa atenção para determinada temática, mas implicam sempre o pensamento crítico e a busca de informações credíveis sobre a temática — a validação da informação contida no meme é essencial.
É inquestionável que o meme reflecte uma mudança cultural. Ao comunicarmos de forma tão simplista, corremos o risco de nos tornarmos uma sociedade alienada, incapaz de enfrentar os desafios complexos que o mundo nos apresenta. Cabe, pois, a cada um de nós, transformar este risco em oportunidade de desenvolvimento do nosso pensamento crítico e da nossa capacidade de análise e reflexão.
O entretenimento é importante nas nossas vidas. Não se devendo sobrepor à nossa capacidade de reflectir e compreender o mundo ao nosso redor. Os memes, quando usados de maneira adequada, pela facilidade de compartilhamento, podem ajudar a disseminar informação. Ainda assim, devemos ser criteriosos, desenvolver o nosso pensamento crítico, tão simplesmente escolhendo partilhar ou não determinado meme, refletindo sobre o tema do meme ou escolhendo pesquisar mais sobre ele.
Os memes fazem parte da comunicação em sociedade. Não é possível estar nas redes sociais sem nos cruzarmos com eles. A preocupação deve ser então com aqueles que vêem e partilham memes sem os entenderem e sem os questionarem de forma crítica.
A ideia aqui passada de que os jovens de hoje são os que mais leem, devido ao contributo das redes sociais que captam a sua atenção para hábitos de leitura, é no mínimo caricato e duvidoso.
“Os alunos do 3.º ciclo e ensino secundário leem cada vez menos, segundo um estudo do Plano Nacional de Leitura e do ISCTE divulgado esta quarta-feira e que aponta para a influência da família nos hábitos de leitura.30/09/2020”
Outro relatório de estudo de 2018, o PISA ( Programme for International Students Assessment), realizado de quatro em quatro anos e da responsabilidade da OCDE, diz que a percentagem de estudantes portugueses que não sabe distinguir facto de opinião, é de 50%. ( será culpa das Fake News espalhadas nas redes sociais)? Conclui ainda que os jovens em idade escolar gostam cada vez menos de ler, gastam cada vez menos tempo nessa actividade, e não entendem o que leem.
Não me parece que as redes sociais tenham trazido impulsos para hábitos saudáveis mentais , como a leitura tradicional, nem para jovens nem para adultos.
E já que se enfatizou o meme no texto acima, saibamos que o termo é uma referência ao conceito de memes, que se refere a uma teoria ampla de informações culturais criada por Richard Dawkins em seu best-seller de 1976, o livro O Gene Egoísta e é para a memória o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima. É considerado como uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros). No que diz respeito à sua funcionalidade, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida como unidade autônoma. O estudo dos modelos evolutivos da transferência de informação é conhecido como memética.
Irónico não é? Pena que os memes da internet não sejam de todo uma unidade de evolução cultural, mas apenas uma forma de marketing viral, para manter os olhares no ecrã e os manter longe de hábitos mentais saudáveis, como a leitura.
Fico muito grata pelo seu comentário Hugo. Temos perspectivas diferentes sobre a temática, o que permite debatê-la.
No que respeita ao aumento do número de leitores, e esperando que esta seja uma tendência crescente, que se enraize e se dissemine por todas as faixas etárias, remeto para a recente entrevista com Maria João Costa, para a Rádio Renascença, da comissária do Plano Nacional de Leitura, Regina Duarte. A comissária afirmou que há mais jovens dos 15 aos 25 anos a ler. Na mesma entrevista, Regina Duarte reconhece também que em Portugal há mais jovens a ler levados pelo chamado “fenómeno das redes sociais” onde os denominados “influencers” e “tiktokers” fazem recomendações literárias. Esta é uma consequência positiva, dos idos tempos de confinamento, que espero, tenha vindo para ficar. Está a decorrer um estudo, numa parceria entre o CIES-ISCT e o Plano Nacional de Leitura 2027, “Evolução das Práticas de Leitura dos Alunos dos Ensinos Básico e Secundário – Barómetro”, que será um barómetro de leitura, e ajudará a compreender os actuais hábitos de leitura dos jovens. Por ser uma tendência recente, em especial em Portugal, será este, e outros estudos também a decorrer, que irão dar-nos os números concretos que permitirão verificar se os estudos de mercado estão correctos e confirmar, ou não, se os jovens estão a ler mais, e se tal se deve também às redes sociais. Sabemos já que as “recomendações de influencers” e “tiktokers” fazem esgotar livros, com a ressalva que os números das vendas podem não espelhar necessariamente leituras efectivas e imediatas. As redes sociais estão presentes na vida da maioria dos jovens, cabe pois promover uma utilização segura, consciente e saudável das mesmas. Alguns dos “influencers” e “tiktokers” estão a promover, durante a 93.ª Feira do Livro de Lisboa, encontros presenciais, estimulando a comunicação, o convívio, e claro, a leitura. Este pode ser apontado como um exemplo de utilização positiva das redes sociais.
Em relação ao meme, permita-me acompanhar Jeremy Trevelyan Burman, da Universidade de Groningen, quando afirma que a ideia original de Richard Dawkins não está a ser bem interpretada, e que o significado de meme contemporâneo nada tem a ver com a fonte original. Acompanho ainda Adam McNamara, da Universida de Lübeck, quando este afirma que os memes são unidades fundamentais da evolução cultural. O que procurei no artigo foi reflectir sobre a possibilidade que existe da utilização do meme como forma de desenvolvimento do sentido crítico, ao vez de considerá-lo logo à partida como cultura inútil. Contudo, considero que as informações contidas nos memes carecem de confirmação, pois estes não têm a informação como função. Quanto a serem ferramenta de marketing, considero serem mais uma oportunidade para a nossa reflexão e à tomada de decisões conscientes enquanto consumidores.
Um tema muito interessante e que nos leva a reflectir sobre o que é informação, o que é desinformação, qual o impacto das redes sociais e do memes no pensamento e na concepção de ideias e opiniões.
Obrigada por partilhar a sua visão.
Muito Grata pelo seu comentário Marília. Ao refletirmos sobre a informação, e o que é a desinformação, questionamo-nos sobre quem beneficia com a desinformação. Assim como quando ponderamos o impacto das redes sociais e do meme, estamos a questionar de que maneira eles alteram a nossa percepção do mundo.
Olá Cátia !
Grato pela sua resposta, e pela oportunidade de debater, as nossas, diferentes perspectivas.
As estatísticas e as fontes por vezes não são completamente transparentes e conclusivas. No entanto, dados publicados por órgãos de comunicação públicos e privados, e baseados em inquéritos e estudos realizados por entidades, às quais se tem vindo a atribuir confiança; mostram que no ano 2020 ( ano de pandemia e confinamento) , 61% dos portugueses não leram qualquer livro impresso.
Outra questão que faço: quantos pais e mães, levaram alguma vez os seus filhos jovens a uma livraria, ou lhes ofereceram livros?
Aqui eu relevo a leitura convencional, de lazer e hábito mental saudável ( ler livros, seja em formato físico ou digital), e não a leitura inerente à utilização das tecnologias.
De referir também que venda de livros não é igual à sua leitura. Porque os ditos “influencers” são muitas vezes angariadores de seguidores e visualizações.
Portanto, continuo a defender que o hábito de leitura deve ser incutido de uma forma mais educativa, transparente e sem segundas intenções.
Estarei atento aos estudos em curso sobre o tema aqui debatido, e ao seus resultados.
Obrigado.