Para ser promovido você só precisa de um café

Se você trabalha no mundo corporativo, certamente já percebeu que muitas vezes os melhores funcionários são reconhecidos com mais trabalho, enquanto funcionários medianos são promovidos sem ninguém entender porquê. Pois hoje eu vou te contar esse segredo.

Que o mundo corporativo é injusto, que meritocracia não existe e que a melhor forma de conseguir um aumento é mudando de empresa, todo mundo já sabe. O sistema capitalista é feito pra funcionar dessa maneira mesmo.

Karl Marx em seu livro O Capital – Vol I, escrito no século XIX, apresentou-nos o conceito de mais-valia. De maneira bastante simplificada, mais-valia é o processo de exploração da mão de obra assalariada pelos donos dos meios de produção.

Sabemos que Marx era socialista, e que a ideia da mais-valia é muito mais do que isso. Mas trazendo essa simplificação para os dias de hoje, o fenômeno é justamente esse. Os donos dos meios de produção (das grandes empresas por exemplo) são os que acumulam riquezas, enquanto que os trabalhadores dependem dos seus salários para viver.

E o que isso tem a ver com você ser ou não promovido?

Fica comigo, que antes eu vou falar de outra teoria, chamada PIE.

Em 1996, um consultor americano chamado Harvey Coleman escreveu um livro chamado Empowering Yourself: The Organizational Game Revealed (em tradução livre – Empodere-se: O jogo corporativo revelado). Nesse livro, Coleman falou pela primeira vez sobre a teoria PIE – Performance, Image and Exposure (também em tradução livre – Desempenho, Imagem e Exposição).

O que o autor dizia era que, no jogo corporativo, esses três elementos eram essenciais para o crescimento do funcionário dentro da empresa, mas ele atribui pesos a cada um deles, e aí veio a surpresa. O desempenho, o famoso ser um bom funcionário, corresponde a 10%. A imagem, suas roupas, maneiras de falar, a forma como os outros te veem, corresponde a 30%. E a exposição, que seria a sua habilidade em navegar pela empresa, se fazer conhecido e ser próximo aos líderes, a famosa politicagem, corresponde a 60% das suas possibilidades de crescimento. (Estou ainda excluindo aqui recortes de gênero, raça, orientação sexual, etc)

Apesar de esse livro ter sido lançado em 1996, depois disso muitos outros autores fizeram estudos e comprovaram que a teoria PIE realmente fazia sentido.

Porém, não precisamos ir longe para comprovar, através de experiências pessoais, que muito provavelmente ele estava certo. Com frequência vemos aquele funcionário excelente, com o melhor desempenho de todos, que conhece tudo da empresa e a quem todo mundo pede ajuda, perder uma promoção para aquele outro, que ninguém sabe direito o que faz, mas que é amigo do chefe, que toma café com o diretor da área, que fala de futebol com o gerente de outro departamento.

Juntando a mais-valia do Marx, com o PIE do Coleman, o que acontece no mundo corporativo é que, os donos dos meios de produção têm a total liberdade de tomar as decisões em relação aos trabalhadores assalariados, afinal eles são os donos. Mas por não estarem na linha de frente, eles se decidem por quem eles têm mais simpatia, que não são necessariamente os melhores trabalhadores, mas aqueles que eles conhecem.

Claro que estou simplificando bastante tudo isso, existem muitas outras complexidades no mundo corporativo que eu não estou trazendo aqui. Mas posso garantir, que na minha longa carreira na área de Recursos Humanos, eu vi esse fenômeno se repetir sucessivas vezes.

Tenho até experiências pessoais sobre o assunto. Eu sempre fui a boa funcionária, mas nunca fui a política. Meu negócio sempre foi fazer muito bem o meu trabalho, nunca me aproximar de líderes e fazer essa politicagem, e por causa disso perdi algumas oportunidades de ser promovida.

Depois que eu aprendi isso, duas coisas aconteceram: Primeiro eu decidi jogar o jogo, o que me rendeu uma transferência para os Estados Unidos. Segundo eu fiquei com muita raiva, achando isso tudo uma grande injustiça, e saí do mundo corporativo para tentar uma vida diferente.

A lição que fica é que, se você quer ser promovido, vai tomar um café com as pessoas importantes da sua empresa, aqueles que tomam as decisões, algo bem simples e bem complexo ao mesmo tempo.

Pessoalmente, acredito que esse sistema está mudando um pouco. As gerações mais novas estão chegando com uma mentalidade diferente e não estão mais aceitando esse tipo de ambiente e injustiça, além de eles mesmos estarem virando líderes, mais preocupados com questões de justiça e diversidade, mas esse é um processo bastante lento.

E no fim, talvez Marx estivesse mesmo certo, o sistema de mais-valia iria se auto destruir, pois em algum momento os trabalhadores assalariados irão se revoltar com a sua condição. O que vem depois disso? Talvez um capitalismo menos selvagem ou uma forma diferente de lidar com riqueza e bens… Difícil dizer, mas eu espero que seja algo bem melhor.

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