O que és tu?
Perguntam como se pegassem em nós pela camisola, indicador e polegar em pinça, sem perceber em que gaiola nos podem pôr. A percorrer estereótipos e pré-conceitos, os nossos pés a balançar no ar, de um lado para o outro, de um lado para o outro.
Não sabemos escolher a caixa adequada. Não conhecemos um substantivo, um adjetivo, uma definição suficientemente imensos para nomear tudo o que somos.
O que és tu?
Não podemos dar respostas cabais. Género, orientação sexual, raça, origem. E quando não somos nada? E quando somos tudo? E quando somos o que está no meio? E quando só sabemos ser o que sentimos e o que pensamos e o que queremos? Vomitamos respostas que soam a desculpas, a defesas. Garganta seca, língua pastosa pelo receio de nos verem como inimigo.
Ah!
O som do nosso corpo a cair na gaiola.
Demoramos algum tempo até saber sorrir e perceber que a gaiola é nossa. As grades são feitas de palavras e as palavras não nos impõem fronteiras nem são cúmplices de reduções. A porta esteve sempre aberta. Bastava desviar uma letra da outra ou passar nas entrelinhas. Nas caixas de quem precisa de absolutos fica apenas uma sombra criada por eles próprios. Encolhemos os ombros: quem de nós nunca caiu em erros de paralaxe?
O que és tu?
Não nos sabemos reduzir. Não nos queremos reduzir. Somos produto da liberdade. Somos resultado dos caminhos absurdos, da dissonância das peles, do acorde de um olhar. Somos o que resta da memória dos acasos que souberam colidir. Somos o que nunca pudemos escolher e aquilo que escolhemos todos os dias. E seremos sempre substrato de tudo o que nos tocou.
Não nos resta nada a não ser o mundo. Por isso, mesmo quando tivermos medo da morte, escolhamos sempre ser tudo o que somos.