Hell or High Water

LEFFEST’16: Hell or High Water – Custe o que Custar!

O Lisbon & Estoril Film Festival, um dos mais importantes festivais de cinema do nosso país, garantiu a antestreia de Hell or High Water – Custe o que Custar!, um impressionante filme sobre a alarmante realidade norte-americana.

Hell or High Water não será porventura o título da manchete de um jornal ou revista em que se confirma a tão peculiar vitória de Donald Trump como o próximo presidente dos Estados Unidos da América, no entanto não deixa de ser um título curioso, espelho metafórico dos sentimentos de um massivo eleitorado pertencente à classe média (e baixa) e desesperado por arrastar o candidato até a Casa Branca. É que, Hell or High Water (com o apropriado subtítulo português Custe o que Custar!) é um filme que se aproveita de uma narrativa fictícia para mostrar as árduas condições de vida que muitos cidadãos norte-americanos enfrentam, resultado da crise financeira de 2008 e culpa das maiores e supostamente honestas entidades bancárias e governamentais.

O novo filme realizado por David Mackenzie, que também dirigiu O Sentido do Amor (2011) e Starred Up (2013) segue os passos de dois irmãos: Toby (Chris Pine), um homem dentro dos padrões sociais, mas que depois do divórcio e da perda do seu emprego preocupa-se seriamente em oferecer uma vida melhor ao seu filho, e Tanner (Ben Foster), um ex-presidiário com um instinto bastante demarcado e com aspeto inerente de rufia. Juntos planeiam roubar alguns bancos no velho e acastanhado interior do Estado do Texas, onde acabam por chamar a atenção de Marcus Hamilton (Jeff Bridges), um xerife local que está prestes a reformar-se. A situação até poderia ser simples e dentro dos padrões e estereótipos que as tramas de Hollywood por vezes teimam em seguir, todavia Hell or High Water prova ser o contrário de tudo isso. Esta é possivelmente uma das melhores experiências do ano, não apenas pelo impressionante trabalho na direção de atores, mas pelo argumento de Taylor Sheridan (que também redigiu o brilhante Sicário – Infiltrado) que se impõe afora das ditas convenções narrativas.

Hell or High Water

Verdade seja dita, Hell or High Water esforça-se bastante para fugir a rótulos. No entanto, não queremos deixar de parte o facto de o inserimos dentro dos parâmetros restritivos de um género: o grande western americano. Atualmente são poucos os filmes que tentam reerguer o cinema do passado e essencialmente um cinema maioritariamente protagonizado por John Wayne e dirigido por John Ford. O caso mais recente a tentar fazê-lo foi True Grit (Indomável, 2010), dos irmãos Joel & Ethan Coen, também com Jeff Bridges no elenco, que  reavivou uma fórmula que parecia, e ainda o parece, algo perdida. Não significa que Hell or High Water tenha vacas, cowboys, rodeios ou cavalos, mas tem gritos de guerra, tem perseguições a alta velocidade, tem vagabundos e tem a degradação máxima do american dream, onde prova que aqui e ali, ou melhor, nos Estados Unidos da América, não estamos no paraíso, estamos sim num país que acorda todos os dias preocupado com o bem-estar das gerações futuras.

Efetivamente, Hell or High Water é uma moderna atualização dos faroestes, género fulcral na cinematografia e na história americana. Os cavalos são substituídos por carros roubados, as plantações não produzem vegetais nutritivos, mas são ricas em petróleo e o vento, que percorre o alto das planícies, parece soprar contra tudo e contra todos. Comparativamente ao género do faroeste, Hell or High Water não tem heróis como de costume, embora todas as personagens masculinas tenham como indispensável acessório o famoso chapéu de cowboy e todos estejam dispostos a matar quando a situação dificilmente se resolve com conversas – a criticar a liberalização da posse de armas no país. As personagens são humanizadas, algo que o cinema de um certo traço independente americano, insiste e bem, em reconsiderar. O filme modifica os traços gerais dos estereótipos, para mostrar pessoas em dificuldades económico-financeiras que como já referido será iminentemente culpa de uma força maior e intangível, o sistema.

Hell or High Water

Tal associação é imediata, uma vez que a câmara de David Mackenzie percorre as estradas onde vemos casas degradadas, que ainda servem de tecto a milhares de famílias que se viram, de um momento para o outro, em crise. Ou seja, em Hell or High Water depreendemos que pela morte de uma matriarca e pelo divórcio de Toby e do mau comportamento de Tanner não estamos diante uma estrutura familiar semelhante às outras expostas na sétima arte, talvez como aquela que Ethan Edwards (a personagem de John Wayne em The Searchers) visita. Estamos somente diante de dois irmãos, que não sabem ultrapassar o conjunto de adversidades que os atinge.

A composição destes vagabundos é maravilhosamente trabalhada por Chris Pine e Ben Foster, que impõem a sua dimensão dramática no grande ecrã a apelar a uma alienação do público, algo que estamos pouco habituados a assistir na carreira destas celebridades. Sublinhe-se o enquadramento de Mackenzie que quase nunca deixa estas duas personagens separadas, que, mais do que tudo, são irmãos de sangue, irmãos de sentimentos e irmãos de desavenças. Toby e Tanner podem estar em constante choque com a lei, mas por vezes estão também um contra ou outro e contra si mesmos. Por conseguinte, nota-se que as relações entre dois irmãos parece algo que o cinema teme em explorar, mas aqui está este Hell or High Water – Custe o Que Custar!, próximo de um ou outro projeto que já foi feitocomo Foxcatcher, de Bennett Miller ou Warrior, de Gavin O’Connor.

Hell or High Water

Mesmo assim, e além disso, Hell or High Water é também sobre a relação de irmãos do ofício nomeadamente entre a personagem de Jeff Bridges – cuja composição lhe valerá certamente uma nomeação ao Óscar de melhor ator secundário – e a personagem Alberto, interpretada por Gil Birmingham. O que assistimos neste pólo oposto vinculado à lei, é algo de imprevisível. Alberto pode até ter a tonalidade de pele próxima à dos índios, mas o que muitos americanos ainda resistem em compreender (sobretudo aqueles que trabalham para as forças da lei), por teimosia ou por qualquer burrice, é que a personagem (e por seu modo, o ator) tem tanto de americano quanto todos os seus outros conterrâneos.

De facto, o cinema americano do passado que esteve tão empenhado em colocar os membros das tribos no lugar de vilões, vê-se completamente reestruturado, em que em vez de separados “índio” e “homem caucasiano” são colocados lado a lado, ambos vestidos de forma semelhante, porque ambos pertencem à autoridade. Os comentários do xerife Marcus Hamilton podem até ser um quanto xenófobos em relação ao seu colega de trabalho, mas essa é maneira adotada para transmitir uma das mais sérias mensagens do ano cinematográfico. Apesar de a narrativa dar um final lamentável à personagem de Alberto, percebemos a importância do mesmo na construção da figura de Jeff Bridges. Veja-se a cena em que o xerife diz que os índios não deverão sentir pena dos cowboys, uma vez que costuma ser ao contrário.

Destaque ainda para a banda-sonora em estilo country dos australianos Nick Cave e Warren Ellis que mescla os ritmos das cavalgadas de outrora e os dramas identitários dos membros das respetivas duplas, que com alguma adrenalina e crimes a sangue frio tornam Hell or High Water um retrato fascinante da América onde o sol, surgirá mais queimado, magoado e desolado depois desta tão rica experiência cinematográfica.

TRAILER DE HELL OR HIGH WATER – CUSTE O QUE CUSTAR!

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