Minimalismo: menos é mais.

O estilo de vida minimalista que se vê, hoje em dia em tudo o que é redes sociais e que terá “roubado” o nome ao movimento artístico das décadas de 60 e 70 do séc. XX, na verdade não é de todo uma novidade. Preparem-se, porque aqui vai uma pequena lição de História, prometo ser breve.

É facto comprovado de que ao longo da História da humanidade, cada vez que uma sociedade chega ao extremo das diferenças sociais entre os muito ricos e os muito pobres, há sempre um grupo de gente, normalmente de origem abastada, que decide desviar-se do modo de vida consumista e procurar a “redenção” num estilo de vida mais modesto. Temos, por exemplo, as ordens religiosas fundadas entre os séculos XII a XIV, como os Franciscanos: Francisco de Assis, sendo de origem endinheirada, decide trocar tudo e fazer o voto de pobreza. A Revolução Francesa, do séc XVIII, contra a monarquia absolutista da época, foi levado a cabo, principalmente, por membros da burguesia, jovens abastados com ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. O movimento Hippie dos anos 60, mais uma vez, na sua maior parte, jovens de famílias de “vida confortável”, inconformados e com desejo de uma mudança social num mundo consumido pela guerra e a desigualdade.

O que têm estes eventos em comum? Uma tentativa de fuga ao convencional. Chegamos agora aos dias de hoje: uma sociedade viciada em tecnologia e nas últimas tendências. Uma sociedade profundamente absorta pelo mediatismo e obviamente, marcada pela desigualdade social. Não que a desigualdade ou a injustiça social tenha sido alguma vez resolvida, não de todo, mas hoje, mesmo bem informados, escolhemos ignorar e preocuparmo-nos com outras coisas. Sei lá, por exemplo: fazer fila noite dentro para ser dos primeiros a comprar o último Iphone…

Tal como antes, eis que surge um grupo de pessoas que se recusam a ser escravas do capitalismo. Começam a descartar o superficial, reutilizam em vez de descartar, fazem escolhas conscientes com o meio ambiente.

O curioso é que todas estas mudanças no estilo de vida, já são praticadas pelas classes mais pobres, não por rebelião, não para fugir à regra, mas, sim, porque não têm outro remédio. Por isso, rio-me, confesso que condescendentemente, com o venenoso conteúdo online sobre minimalismo. Rio-me com as casas gigantes sempre brancas e imaculadas, a decoração nórdica, os itens alinhados em jeito de foto do Pinterest, o séquito Konmari, os apologistas do Hygge, as palhinhas de bambu e a eterna competição de quem será coroado o rei dos minimalistas (um influencer, de certeza). Rio-me de mim mesma, porque também eu tenho as tais palhinhas de bambu, também eu esvaziei a minha casa do máximo de bens materiais, quase chegando ao ponto de me querer livrar dos meus queridos (e muitos) livros…

Quase que me esqueci qual deveria ser o propósito de ter uma vida mais simples, que é… ter uma vida mais simples! Descomplicar, não fazer da minha vida uma competição de quem tem menos. É, no mínimo, uma falta de respeito para aqueles que têm pouco, porque lhes foi imposto por ditadores, guerra, desastres naturais ou, digo e repito, a desigualdade social dos tempos modernos.  O minimalismo, como movimento, defende que quanto menos tivermos, mais felizes seremos, dando espaço para as pessoas e as experiências. Porém, quando se torna uma guerra de estética e de quem tem mais razão, torna-se tão mau quanto o materialismo. Acreditem que a sensação de expurgar os nossos demônios pessoais, através de limpezas de Primavera e caixas e caixas de tralha acumulada ao longo dos anos, finalmente no lixo, é viciante.

Limpamos e purgamos e chegamos a um ponto que já não há mais nada para deitar fora. Se apenas nos concentrarmos no ato físico da questão, nunca conseguiremos ser felizes com pouco. Porque o minimalismo é muito mais que deitar fora coisas, é também apreciar o que temos.

Como criança e adolescente, eu era (à falta de melhor palavra) uma horder. Livros (muitos livros!), bibelots, posters, autocolantes, vinte mil peluches e um número infindável de cadernos, canetas e material de arte expostos onde houvesse espaço. O meu quarto era uma toca de hamster, uma toca com muito pó. Quando emigrei, aos 22, levei comigo apenas três malas. O meu primeiro “apartamento” era uma coisa minúscula: uma cama, uma mesa, um armário e uma kitchenet. A casa de banho era compartida com desconhecidos. Para trás, no meu quarto em Portugal, ficou toda aquela tralha acumulada. Sobrevivi. Quando me tornei mãe, já aos 31, a necessidade de simplificar a minha vida, só se acentuou ainda mais: menos que limpar, menos que arrumar e com cada “tralha” de que nos livramos, mais leves ficamos cá dentro.

Ao desapegar-me dos bens materiais, deixamos espaço para as coisas mais importantes da vida, que na verdade não são coisas: são pessoas, família e amigos. A cada dia que passa (talvez por já não ser uma miúda) cada vez sei melhor o que quero. Hoje não me deixo definir (ou pelo menos tento) pelo que tenho, mas sim pelo que sou.

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