Saiu da casa de banho, derrotada. Tinha sido a última tentativa, não seria capaz de partir o seu próprio coração de novo, como milésimas vezes antes.
Deitou fora o teste de gravidez, com vontade de chorar, mas controlando-se. Quantas lágrimas teria de derramar? Já chegava. Não queria mais aquilo, sentia-se cansada e derrotada, sentia que não tinha outra opção além de desistir. Ter um filho era um sonho, mas não era para todos, e quanto mais rapidamente assumisse isso, mais feliz conseguiria tentar ser.
Sentou-se no sofá, com uma tablete de chocolate. Queria afastar um pouco o pensamento constante de ter falhado, concentrar-se em como iria dizer ao marido que os tratamentos caríssimos não tinham resultado, que o esforço não tinha servido para nada. Que nada tinha servido para nada. Sabia que ele iria compreender e dizer “para nada não, tínhamos de tentar!”, mas naquele momento não era o que ela sentia. Não tinha valido a pena, o resultado não era o que eles queriam, por isso tinha sido um desperdício. De dinheiro. Mas, principalmente, de energias, de felicidade, de amor, de espera e de esperança. Um desperdício deles próprios, que agora estavam ainda mais pequeninos, sozinhos e incompletos do que quando tinham começado a pensar em ter um bebé. Antes de pensar em ter o Lucas.
Comeu a tablete inteirinha, sem culpa nenhuma, enquanto via um programa qualquer de culinária, mas não conseguia concentrar-se. Olhou para o telemóvel: meio-dia. Ela estava de férias, mas o marido estava a trabalhar, e teria de almoçar. Foi-se vestir, decidida a contar-lhe da melhor maneira possível, num almoço íntimo pago por ela. Não choraria porque estaria num lugar público, e ele assim veria que não era tão mau, que ela estava a reagir bem. Talvez assim também o acalmasse. Em casa seria apenas tristeza, vinho e desilusão.
Chegou à rua do trabalho do marido ao meio-dia e meia, e decidiu esperar num jardim lá perto. Só à uma e meia é que ele sairia, mas a ela fazia-lhe bem a espera fora de casa, desanuviar a cabeça, manter-se longe do frigorífico onde guardava injecções, do caixote repleto de testes de gravidez, de uma casa cheia de sonhos que não se tornariam realidade. Não! Abriu muito os olhos, querendo secá-los, sem se permitir pensamentos negativos e chorar de novo. Tinha acabado, teria de superar, e as lágrimas perdidas não adiantariam; já tinha chorado um oceano inteiro sem que adiantasse de nada. A dor permanecia. Não haveria Lucas. Não haveria gravidez.
Sentou-se num banco e fechou os olhos. Forte, tens de te manter forte. Sentiu alguém sentar-se ao lado dela, no banco. Olhou para a pessoa. Era uma mulher de raça cigana, grande e imponente, com o cabelo preto longo e uma pele escura como cabedal. Ofereceu-lhe um sorriso desdentado e, de repente, a cigana tocou-lhe na barriga.
“Parabéns!”
“Desculpe?” perguntou, sentindo-se afundar.
“Parabéns pelo pequenino.” Explicou-lhe a cigana, levantando-se e beijando-a na testa. “Lucas. Deve chamá-lo Lucas!”
“Deve estar enganada” conseguiu dizer, sentindo-se branca como a cal, sem força e a tremer. “Deve estar enganada”.
Sentiu-se com esperança, mas não queria. Feliz, mas não queria. Confusa. Seria verdade? Poderia ser verdade? Como saberia a cigana o nome que eles queriam dar ao seu bebé? Poderia… poderia ela saber?
“Nunca me enganei em sessenta anos de vida, minha querida.” Disse a modo de despedida. “Nunca! E milagres acontecem, não é verdade?” Sorriu. “Seja feliz”.
Olhou para as costas da cigana, que se afastava, baloiçando a cintura e o cabelo. Tocou na sua própria barriga e sentiu que podia ser verdade. Sentiu que podia ser mãe.
Não, mais do que isso.
Soube que seria mãe.