Quando pensamos ou referimos os locais que já visitámos existe sempre uma certa tendência de diminuir, quase em tom de vergonha, a nossa vizinha Espanha. Dizemos orgulhosamente que passeámos ao longo do Sena, que nos abismámos com a Praça de São Pedro ou gabamos o pôr-do-sol na praça Jemaa el-Fna mas quando chega a altura de falar numa viagem a Espanha, dizemos de forma rápida: Já estive várias vezes em Espanha mas Espanha não conta. O país vizinho, ao que parece, não merece estar na nossa lista de viagens a serem referidas. É perto, acessível e quase nossa, logo não lhe damos a devida importância.
Eu, como qualquer português, já perdi a conta das vezes que visitei o país vizinho. Desde o saltinho a Badajoz ou Cáceres até às férias da neve em Serra Nevada, passando pela excêntrica Barcelona. É fácil para qualquer lisboeta, por exemplo, sentir-se em casa em Madrid. A capital espanhola não tem rio nem pastéis de nata mas tem o parque do Retiro e tapas apetitosas em cada esquina. As praças são grandes e magnificentes, as avenidas são largas e sempre movimentadas e os madrilenos são descontraídos, extrovertidos e perfumados.
É em Madrid que podemos visitar o Museu Rainha Sofia na zona de Atocha. De todas as vezes que visitei Madrid, o Museu Rainha Sofia nunca me tinha despertado grande atenção. Sabia que tinha obras de Picasso e Dali mas numa cidade em que existe o Museu do Prado, tudo o resto acaba por passar um pouco para segundo plano, pelo menos para mim, assim o era. Calhou ser uma quinta-feira de manhã, calhou estar em Atocha e calhou a entrada do Museu não ter ninguém. O Museu estava em obras na altura o que condicionava a circulação dentro das galerias e estava um frio de rachar. Não havia subterfúgios que me valessem. Paguei a entrada, peguei no mapa do Museu e lá fui eu.
Em termos estruturais o Museu Rainha Sofia, não surpreende, a dinâmica é igual a qualquer museu em qualquer parte do mundo. Existe uma zona de exposições temporárias, de artistas contemporâneos desconhecidos para quem não seja entendido em arte, existe uma zona de escultura e existe, finalmente, a zona mais ansiada pelos visitantes que é a galeria principal onde estão obras de Salvador Dali e Pablo Picasso. Nesta galeria principal, existe uma sala reservada a apenas uma obra e é a única sala de todo o Museu onde não se pode fotografar. Esta obra é das obras de arte mais conhecidas e reproduzidas em todo o mundo, toda a gente lhe conhece a história e o respectivo pintor, mas uma coisa é vê-la em livros, outra coisa completamente distinta é vê-la ao vivo.
A Guernica de Picasso é das coisas mais impressionantes que vi na vida. O quadro é enorme, ocupa toda a parede do salão que tem reservado só para si e para se ver de uma ponta à outra quase que tem de se dar um pequeno passeio. A obra maior do cubismo, tem detalhes palpáveis e chega-se a sentir uma certa dor quando nos toca o brilho da mensagem contida nesta pintura. Este quadro emana algo de transcendental, o silêncio dos visitantes que se encontram em frente à Guernica contrapõe-se com o barulho constante que se ouve no resto do Museu.
Estamos perante algo solene, que exige respeito e introspecção, chega a roçar a espiritualidade. Sentimo-nos demasiado insignificantes perante a grandeza de um pintor que em dor pela guerra, se transcendeu e na força da sua arte atravessa o tempo e chega até nós, ainda hoje, para sentirmos o que ele sentiu. Picasso conseguiu-o. Guernica toca-nos, exige-nos, surpreende-nos e ganha-nos. Saí do salão, deixei o quadro nas costas, emocionada, em postura de vénia. E só de pensar que não tinha qualquer interesse em ir ao Museu Rainha Sofia.
Guernica toca nos exige nos surpreende-nos ganha nos sobretudo esta última define por completo a “experiência “ de visualizar essa obra de arte
De facto ganha nos empurra nos para ele impressionante
Ao ler este “texto “ sinto que não visa a assegurar qualquer coisa externa ao homem. Isso seria admitir algo que está além de seu próprio objeto. Pois assim como o material do carpinteiro é a madeira, e do Picasso é o pintura, a matéria-prima da arte de viver é a própria vida de cada pessoa e a sua própria experiência
Obrigado pelo texto Rita