Nas décadas de 1920 e 1930, Virgínia Victorino foi uma figura muito conhecida no meio cultural lisboeta. Não era apenas pelos livros de poesia que publicava ou pelas peças de teatro que escrevia — havia nela algo de singular, uma postura que desafiava as convenções sociais que regiam a vida das mulheres do seu tempo.
Nascida em Alcobaça, em 1895, saiu de lá muito jovem, levada pela sua madrinha — uma mulher de visão, que reconheceu o talento da afilhada para a música e a escrita. Em Lisboa, Virgínia estudou Canto e Piano no Conservatório Nacional e, ainda muito nova, lançou o livro Namorados (1920). O sucesso foi imediato, com várias edições publicadas, inclusive no Brasil. Almada Negreiros ofereceu-se para desenhar a capa da obra. Esse livro marcou o início da sua fama como poetisa. De repente, as mulheres liam poesias escritas por uma mulher — e choravam emocionadas.
O seu estrondoso sucesso junto do público feminino pode ser explicado pela forma como abordava temas como o amor, a solidão e a condição feminina, refletindo preocupações partilhadas por muitas, mas raramente expressas. A sua escrita funcionava como um espelho libertador para muitas leitoras, num período em que as vozes femininas ainda eram amplamente silenciadas.
Também as suas peças tiveram enorme sucesso e foram representadas no Teatro Nacional e na Rádio Emissora Nacional, onde ela dirigia teatro radiofónico. Os textos retratavam a sociedade da época, evidenciando preconceitos sociais e sexuais.
A ousadia de Virgínia Victorino não se limitava à escrita nem à escolha dos temas — manifestava-se também na sua imagem pública, bela e carismática. Era frequentemente retratada por artistas e as suas fotografias apareciam nos jornais. Representava uma feminilidade moderna, oposta à imagem recatada da mulher burguesa. Na década de 1920, foi uma das primeiras mulheres em Portugal a fumar em público, a adotar o corte de cabelo “à la garçonne”, a vestir roupas desportivas e a usar boinas — um look associado ao universo masculino. Esse estilo coincidia com o auge do movimento feminista, que começava a lutar por direitos fundamentais para as mulheres em Portugal.
A sua vida íntima, embora discreta, alimentava especulações: nunca se casou e manteve relações próximas com outras mulheres, o que gerava rumores sobre a sua orientação sexual — algo difícil de assumir naquela época. A relação com Olga Morais Sarmento, a sua amiga mais íntima, é um dos elos mais reveladores do lado oculto da sua vida. Conviveram com círculos intelectuais vanguardistas, partilharam viagens exóticas e longas temporadas no estrangeiro — especialmente em Paris, onde o ambiente era mais liberal. Entre cartas, dedicatórias e testemunhos, há quem leia nessa ligação não apenas cumplicidade, mas um amor resistente e secreto. A história de um amor que permanece a vibrar nas fotografias e nas poesias dessa época, recusando o papel que a sociedade lhe reservava. É no seu trabalho como escritora, que Virgínia nos deixou o seu maior legado: a liberdade de expressão enquanto mulher autónoma e auto suficiente.
Apesar de nunca se terem conhecido pessoalmente, pois frequentavam círculos diferentes, Virgínia foi muitas vezes comparada a Florbela Espanca. Ambas viveram no mesmo período, mas tiveram trajetórias opostas: Virgínia alcançou reconhecimento em vida e foi depois esquecida; Florbela, pouco celebrada em vida, tornou-se um ícone literário póstumo.
Nos últimos anos, após a morte de Olga, Virgínia isolou-se por uma combinação de fatores emocionais e contextuais. Foi viver com uma amiga nas Caldas da Rainha, retirando-se da vida pública. Quando ia a Lisboa, hospedava-se no Hotel Borges, por cima do café A Brasileira, onde, décadas antes, se falava tanto da sua poesia. Foi ali que morreu, em 1968.
Na gaveta da mesa de cabeceira foram encontradas várias poesias dedicadas a um grande amor não identificado. Conhecendo a história da sua vida, podemos suspeitar quem seria a verdadeira destinatária desses versos…
Êxtase
Bibliografia: Virgínia Vitorino, vida e obra Jorge Pereira de Sampaio in Virgínia Vitorino, vida e obra – ADEPA
Não sofras mais, amor, não digas nada!
Vem comigo; eu te levo. A noite é densa
e agora a voz do mar ficou suspensa,
dolorida, vibrante, apaixonada!
Não tarda muito a luz da madrugada…
Vem comigo! Não penses! Não se pensa!
Vem à conquista da aventura imensa,
vê, como eu vou, feliz e deslumbrada!
Um grande sonho me enlouquece e invade!
Vem procurar comigo a Eternidade
esse país tão vago, tão distante…
Vem, que eu busco o palácio da quimera
lá, onde seja eterna a primavera,
e a voz divina das estrelas cante!
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
Que interessante. Não conhecia esta autora.
É contemporânea da Florbela Espanca. Em Alcobaça, a sua terra natal, divulgam bastante a sua obra.