Os filhos do meu marido

O meu feitio independente não me deixava ligar a ninguém em particular. Para mim tudo eram experiências importantes mas nenhuma teria mais relevo do que outra. Eu era alta e magra e, mesmo sem o querer, dava nas vistas. Era o que me diziam. Um dia tudo mudou. Primeiro, não dei importância ao que estava a acontecer, mas depois começou a dominar o meu pensamento. Estava refém e não havia meio de me libertar. Ou melhor, eu não queria. Conheci-o e o meu coração ficou logo desregulado, a bater fora de ritmo e as mariposas instalaram-se no meu estômago. Tal e qual. Fomo-nos conhecendo. Cada vez se apertava mais o laço e quando dei por isso era um nó muito sólido. Não me incomodou.

Ele já tinha um filho, o que podia ser um impedimento para mim. Não foi. O miúdo era um doce e estabeleceu uma ligação tão forte comigo que me deixou encantada. Era um autêntico romance que vivemos os dois. Um dia ele perguntou-me se me podia tratar por mãe. Fiquei comovida e emocionada. Que bom que foi ouvir aquele pedido, pronunciado por um menino tão sincero. A partir daquele momento, eu soube que o nosso elo nunca seria quebrado, independentemente do que viesse a acontecer.

Eu e o pai dele continuámos juntos e aquele menino era quase tão meu como da mãe. Pedia-me conselhos, chorava no meu ombro e confessava-me as incongruências da sua vida. Eu já não sabia viver sem ele. Tivemos que sair do país e aquele afastamento doeu-me mais do que eu pensava. Fiquei longe do meu rapaz. Ficámos separados física mas não emocionalmente. Nada é eterno a não ser o amor de mãe. A relação com o pai dele terminou e eu voltei. O filho ficou radiante. Penso que lhe fazia muita falta, era a amiga grande que o amparava. Não nos afastámos.

Entretanto o rapaz entrou na adolescência, fase difícil e, neste caso, muito complicada. Incompatibilizou-se com a mãe e fez questão de viver comigo. Era terreno movediço para mim mas estava disposta a arriscar. A mãe não viu com bons olhos a situação, mas acabou por ceder por considerar que eu não seria capaz de o “domar” e lidar com as “suas maluqueiras”. Confesso que estava um pouco assustada mas não o podia deixar desamparado. O pai dele voltou a aproximar-se de mim e a nossa relação foi reatada. Descobri que toda aquela rebeldia era falta de comunicação, de vontade e de amor. A mãe dele que me perdoe mas ela estava mais interessada nela do que  nele, o seu filho. O aproveitamento escolar melhorou e mostrou ser um rapazinho muito disposto a receber disciplina.

Mais difícil foi fazer o pai entender que ele não era um intruso na nossa relação, mas sim um seu prolongamento. Como nunca tinha vivido com ele a tempo inteiro, tudo era novo para ele. Penso que teve ciúmes do filho e do nosso relacionamento. Os homens são mesmo umas crianças grandes. E de repente tenho um filho adolescente que me exige imensa atenção e um marido infantil e caprichoso. Tinha dias muito complicados (dava vontade de cortar os pulsos) mas o amor superou tudo.

Um dia tudo acalmou. O meu filho apaixonou-se. Eu fui a primeira a saber, a primeira a conhecê-la, a primeira a ouvir relatos duma relação demasiado madura para a idade. O pai ficou possesso e a mãe não quis saber. Acho que não aceitaram o crescimento dele e, consequentemente, o seu envelhecimento. Para mim foi um bálsamo. Adorei cada momento, cada confidência e cada desilusão. O certo é que ficaram juntos e mais tarde foram pais. A partida do destino aparece agora: fomos pais na mesma altura e nada foi planeado.

Como devem entender é um misto de emoções, tão grande que custa a encontrar uma palavra adequada para o expressar. O meu filho verdadeiro deu-me ainda mais solidez emocional, mais a certeza de que não tinha falhado, de que estava no caminho certo. Quem não sabe e nos vê acaba por fazer um típico juízo de valor: um descuido. Nada disso. Ele é o meu filho do coração, o meu grande amigo, o filho do homem que amo e o irmão é o meu filho biológico, que nasceu de um amor infinito, treinado durante muitos anos.

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Comments 1
  1. Que relato tão sensível e ao mesmo tempo tão racional… autêntico. .. com o qual nos identificamos mesmo que nada exista na história que nos tenha sucedido…

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