A Verdade do Amor

A intolerância, seja ela de que natureza for, é uma das muitas doenças que a nossa sociedade, neste momento, está a evidenciar e, de alguma forma, a combater. No entanto, a meu ver, o grande problema está na própria origem da questão, assim como da palavra, o tolerar, que é apenas o reflexo de algo que vivemos no nosso mundo, assim como em nós mesmos, o tratar do efeito, do sintoma, mas não da doença em si.

Quando toleramos, permitimos coabitar com algo, ainda que não gostemos, que não concordemos, que odiemos ou recusemos. Tolerar é, no fundo, uma bomba relógio que, mais cedo ou mais tarde, acaba por rebentar e destruir muito que está à nossa volta. É isso que, acredito, acontece um pouco por todo o mundo que fomentou a tolerância, lutou por ela, mas esqueceu-se que, na realidade, ela é apenas um pequenino comprimido que alivia a dor, mas não a cura, de forma alguma. No momento em que o mundo, as organizações, os países, as nações e as sociedades quiserem verdadeiramente erradicar a intolerância, terão que mudar a sua postura e ir à origem do problema, e essa é a grande dificuldade.

Acredito que a intolerância é fruto do medo, proveniente da comparação e da inveja. Vemos no outro, por alguma razão, uma ameaça, accionamos alertas que provêm do nosso ego e disparamos reacções bélicas que têm como objectivo a sobrevivência. Quando identificamos algo no outro que vai contra os nossos valores, contra as nossas verdades absolutas, sentimo-nos, de alguma forma, ameaçados na nossa integridade. É esse medo que nos leva a defendermo-nos, como o nosso corpo que, perante um alimento que não tem capacidade de processar ou perante um vírus que o tenta atacar, despoleta um conjunto de processos para o deitar fora ou eliminar.

Se intolerância é medo, então a sua origem é a falta de amor e, no fundo, é isso que vemos em cada dia, em cada momento, em cada situação que nos chega do mundo inteiro, do nosso país e de nós mesmos. Quando não estamos seguros de nós, de quem somos, quando não nos amamos, quando não nos respeitamos, algo ou alguém que é diferente de nós dispara os alertas e voltamos à sobrevivência, espelho mais directo da função do ego.

Então, quando promovemos a tolerância, não estamos a dar voz ao nosso coração, não estamos a curar a doença na sua origem, porque não estamos a promover a compreensão, o respeito e a aceitação pela diferença, pela verdade do outro, só estamos a dizer, de forma simplista que, embora a nossa verdade seja melhor que a do outro, eu até a aguento, desde que ele não tente invadir o nosso espaço. Quando trabalhamos o amor próprio em nós, nos nossos filhos, nos nossos pais, em todos os que nos rodeiam, trabalhamos a aceitação de nós mesmos, da nossa diferença em relação ao outro, e compreendemos que essa diferença, na verdade, é uma unicidade, uma singularidade que nos torna especiais, verdadeiros, reais e humanos.

A nossa sociedade, ao longo de séculos, transformou as pessoas em números, reduzindo as suas capacidades e castrando a sua criatividade, transportando isso para as empresas, para as famílias, para tudo, eliminando a essência única de cada um, dia após dia, levando a uma desconstrução da identidade e a uma elevação de barreiras mentais e sociais que nos colocaram a funcionar pelo ego, terrenamente, ligados à matéria, ao dinheiro, à posse. Dessa forma, ficámos presos a religiões, a uma moral e a valores inflexíveis, a uma promessa de um inferno pelo pecado, de um céu pela virtude, pecado e virtude esses definidos por alguns, a quem controlar, dominar e manipular o outro era uma vantagem, esquecendo-se que, eles mesmos, são manietados por algo muito mais negro e destruidor.

Desprovidos do nosso verdadeiro valor, de amor por nós mesmos, dificilmente podemos amar o próximo, aceitá-lo na sua unicidade, pois, na verdade, não nos aceitamos a nós, não nos respeitamos, não assumimos quem somos, vivemos na ilusão, na mentira, apregoando valores que, na verdade, não são os nossos, batendo no peito e dizendo-se seguidores de determinados pensamentos e crenças, mas não as tendo no seu coração, em momento algum, muito pelo contrário. Então, não adianta lutar por tolerância nem ser a favor dela, se depois não a colocamos na prática. Por isso, não sou a favor da tolerância, sou a favor da compaixão, do amor, do respeito, da aceitação, da compreensão.

Um novo mundo, uma nova realidade, não se constrói de tolerância, pois ela será apenas um penso que se coloca sobre uma ferida para a estancar, constrói-se com mais amor, com educação, com promover a unicidade, a humildade, a simplicidade, compreendendo que a maior verdade não é a que os outros nos ensinam, a ancestral ou a moderna, mas sim aquela que nos toca o coração e nos dá a capacidade de caminharmos num mesmo sentido, ainda que em caminhos diferentes.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Os filhos do meu marido

Next Post

TAL e uma nota sobre o Porto

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Pioneiros do casamento

Axel Axgil nasceu a 3 de Abril de 1915. A Dinamarca é um país de gentes guerreiras, de vikings e de batalhas…