A porta estava escancarada por abandono e a dor entrou sem permissão. O vazio enchia os cantos, subindo no ar e teceu uma teia de fina seda que se colou, de forma invisível, nas paredes do sentir. O ambiente mofento nem se incomodava com a escuridão que escorria das paredes bolorentas.
Um suspiro rompeu o silêncio. Profundo e cavo, remetia para vivências de outrora quando a casa se vestia de alegrias bem coloridas. Ali houve vidas que sonharam e que teceram colares de sonhos com desejos, em dias de sol e muita luz. Risos subiam aos céus e voavam em liberdade.
Os tapetes estavam sujos de desgraças. Sem moscas que batiam asas em surdina ou que pousavam nos móveis que um dia existiram, a sala chorava de raiva. Tudo era árido e tosco, um bolor de ancestralidade que aromatizava os tempos. O vapor dos cigarros fumados passeava em ruelas perdidas.
Um som ecoou no vácuo. Talvez fosse um desejo louco ou uma memória perdida que se havia escudado num canto esconso. Ao fundo uma correia brilhava. No entanto, que estranho haver brilho onde a fuligem dia dias encontrava acolhimento. Um peculiar magnetismo chamava por quem se ilibava das dores.
A voz chorava com método sem rigor, somente um guincho de dias de Verão temperados com ervas aromáticas de heróis perdidos no poema. Riso riscado de pirâmides escolhidas por palmeiras ignotas. Seria uma gargalhada de escárnio ou um esgar de dor? Contudo a corrente brilhava no escuro da solidão.
Gente que foi espoliada de ter, crianças de infância roubada, famílias que deixaram de o ser, mundo que colapsa e mergulha num profundo abismo de incerteza. Inocentes e culpados. Dores que se cosem com ardor, corações que batem de incerteza, mortes que cheiram horrores.
Deus, onde é que estás? Ouves, mas ignoras o que fazes? Existes ou és apenas a soma de todos os medos que se entrelaçam com algozes sedentos de redenção? Não fugas e assume aquilo que haveis dito: deixar vir a mim as criancinhas pois delas é o reino dos céus.