O livro chegou agora por ter dito à Sofia que era um desejo antigo. Ela tentou encontrar uma primeira edição, tendo-o encomendado nessa condição. Veio a oitava, mas para mim pouco importava: gosto de ler livros velhos, do cuidado para não perder as páginas que se soltam com o avanço da leitura, na certeza de que outros, décadas antes, passaram os olhos e os dedos por aquelas mesmas folhas, desfrutando, rindo ou sofrendo, de um jeito mais próximo ou longínquo das sensações que me percorrem hoje, mas com a convicção de que o que nos move é uma curiosidade com alguns pontos de semelhança.
Após décadas de espera, li finalmente (A Paixão do Jovem) Werther, uma das grandes obras de Goethe, creio que a primeira, escrita em 1774. Além de ter sido a primeira vez que li um romance do século dezoito, fui surpreendido com a facilidade com que li um livro tão antigo. Percursor do romantismo e um dos fundadores do romance moderno, a escrita de Goethe é do mais simples que podemos encontrar, pese o tema algo pesado.
Tivesse eu apanhado Werther noutra fase da vida e ter-me-ia tocado bem mais fundo. Só que não o teria apreciado com a isenção necessária para guardar um mínimo espírito crítico: teria sido arrebatado pelos meus sentimentos de apaixonado não correspondido, como o jovem Werther, identificar-me-ia com ele e talvez não conseguisse terminar a leitura ou colocasse o livro num pedestal. Assim, a história do sofrimento de um jovem, Werther, apaixonado por uma mulher, Carlota, comprometida, surpreendeu-me pela beleza da narrativa e da construção. Diz-se que, a par da polémica que o livro causou aquando da sua publicação, terá levado vários jovens ao suicídio. Não é caso para tanto, mas pelo sim pelo não, é melhor não pegar nele alguém que esteja a passar por um desgosto amoroso.
Este foi aliás o ponto que me prendeu durante todos estes anos de espera para ler Werther: estava na Associação de Estudantes da FCUL quando o presidente, Miguel Tiago, faz um comentário a um livro que eu peguei – Esse é um livro “óptimo” para os jovens que estão a passar por um desgosto de amor. Pouco importa a opinião que fui formando acerca do autor da frase, que mais tarde se tornou deputado do PCP, mas o facto de ter gritado à minha irmã (também aluna na FCUL) que ela “perdia toda a dignidade” por estar a furar o piquete de greve às aulas que o aprendiz de ditador tentava levar a cabo, seja revelador do que penso do personagem.
Importa, sim, ter sido ele o responsável pelo facto de eu nunca ter esquecido este livro, mantendo-o à espera na prateleira dos acontecimentos futuros, mas não eternamente adiados, na esperança de abrir na vida o momento certo para encontrar esta leitura. Agradeço à Sofia e ao Miguel Tiago, com vinte anos de distância, uma leitura muito prazerosa.