As redes sociais são um espectáculo por si só. Certo dia, uma figura pública estimulava a discussão sobre o tema: quem deve pagar a refeição do primeiro encontro? Às vezes juro que me esqueço em que século é que vivemos, tal as questões que são colocadas por estes supostos influencers.
E duma pergunta só, resvalaram respostas diversas e de variantes extremadas. Entre o cavalheirismo clássico do homem que paga e o democrático pagar a meias, fixei uma ou outra hipótese, que confesso tive que reler para entender a ideia, não pela sua complexidade, mas pela boçalidade e incredulidade do que li.
Havia alguém que defendia que quem convidou é que deve pagar. Esta lógica é muito usada pelos mais velhos, não necessariamente em contexto de encontro romântico. Recordo-me que quanto comecei a sair, enquanto adolescente, em aniversários de amigos, o meu pai fazia sempre este comentário, que quem convida é que paga. Faz algum sentido.
O assunto foi evoluindo ao longo dos comentários – e às vezes o melhor destas publicações são estas opiniões derivantes – e extrapolou-se para os encontros seguintes (se os houver, evidentemente). Mais uma vez as opiniões divergiram, embora a mais consensual seja a alternância, umas vezes paga um, outra vez paga outro. Justo e correcto, parece-me, na medida de cada um.
Da alternância ao alterne, em termos linguísticos, vai pouca distância. Mas na realidade vai muita, entre a partilha equitativa de despesas e a exploração dum pelo outro. Passo a explicar.
Foi com imenso espanto que uma determinada senhora de foto sugestiva (se é que me entendem…), comenta que o homem tem obrigação de pagar a refeição. E o argumento é tão esclarecedor como cru: ela já gastou dinheiro com a roupa, cabeleireiro, manicura, depilação. Ok. Fiz uma pausa para a ideia circular nos meus circuitos celebrais, mas o receptor de ideias deve ter tirado folga, porque… não percebi, ou melhor dito, não quis perceber.
Isto levantou-me, contudo, algumas questões nas minhas sinapses, entre as quais destaco duas:
- O homem em causa não tem também cuidados higiénico-estético? Pelos vistos não, ou a exigência da moça será parca.
- A mulher vai jantar ou está a exercer um qualquer investimento na expectativa de (g)astronómico retorno monetário, leia-se sustento?
E se há situação em que se aplica a expressão vergonha alheia, é aqui.
Décadas depois da iniciação (ainda decorrente) da independência feminina, ainda ouvimos estes argumentos? Ainda temos que ouvir estes argumentos, e o que é pior, das próprias mulheres? A prática comum de trabalho feminino remunerado (e digno!), que lhes permitiu exercer escolhas importantes da sua vida (como não depender financeiramente dum homem e não se condicionar a exigências ridículas), aniquila-se com comportamentos destes com a mesma facilidade com que a água do banho segue ralo abaixo.
O Gabriel, o pensador, usa numa das suas músicas de sucesso uma expressão brasileira que se aplica aqui na sua perfeita forma: Ajoelhou? Então tem que rezar…..
Da parte do homem que aceita este comportamento, também não tenho nada de bom a dizer. Esforçando-me muito, muito, posso tentar considerar que é fácil de contentar. Mas não consigo conter-me e facilmente traduzo isto em: está disponível para baixar a fasquia até ao subsolo da integridade. Nem a mim própria consigo convencer-me que isso é uma característica positiva, quanto mais defender isso neste artigo.
Em tempos idos alguém me contou que determinado colega se gabava de nunca ter ido às prostitutas. Tinha, no entanto, uma amiga que visitava à 6ª feira, levando um franguinho (“sempre feijão com arroz, sempre feijão com arroz” 😀 ) para a ceia, e ainda deixando €50 na mesa de cabeceira (!) para os gastos da muda da roupa de cama e outros preparativos (?!). Mas que fique bem claro, que nunca por nunca frequentou bordéis, que não era desses gajos que recorre a serviços sexuais. Não haja cá confusões.
Mais tarde conheci um quarentão que na primeira semana de namoro já andava a pagar o passe da nova companheira trintona que passava os dias no ginásio. Na segunda semana esteve quase, quase a pagar-lhe as propinas da universidade, sei lá eu o que veio depois…preferi ignorar, que confesso que tive medo do que aí vinha.
Dizem que o amor é cego.
O sexo então deverá ser cego e surdo.