Começar aqui e agora!

Para onde vamos? O que existe para lá da esquina? Quem seriamos nós, se a própria morte se fizesse anunciar?

Todo o amor que está por detrás da conceção esconde uma verdade chocante. Crónica de uma morte anunciada, poderia ser a história de qualquer um de nós. Sim, tu, eu, eles, todos sem exceção, estamos condenados à morte. Talvez esta seja a única verdade, verdadeiramente, absoluta, que norteia os nossos dias.

Uma mulher, estás prestes a parir. Momento intenso e marcante. O parto é força, é a energia da vida a acontecer. O amor no seu estado mais puro, mãe e filho, protagonistas de um momento íntimo e maravilhoso.

A partir do nascimento, começamos uma caminhada, sem destino. Avançamos no tempo, sem a consciência que começámos a envelhecer, no tal instante, em que nos puseram deste lado do mundo. Envelhecemos e um dia morremos.

Essa consciência só nos toca verdadeiramente, quando o cabelo se pinta naturalmente de branco e a pele se enruga. Contudo, não envelhecemos a partir dos 40 ou dos 50, este é um processo, que nasce connosco. Morre-se de tudo. Morre-se de nada. Morre-se novo. Morre-se velho. Mas morre-se.

Conseguimos imaginar a vida sem uma perspetiva de continuidade? Não me parece. A tal caminhada pressupõe amanhã e esta constatação, vem direta da correria dos dias.

Agora, pensem na vossa infância. Lembram-se como os dias eram longos e preguiçosos? Nessa altura, havia 24 genuínas horas no relógio. O passado ainda não nos pesava nas costas e o amanhã era tão distante, que não nos ocupava tempo. Então, éramos presente. Será arriscado afirmar que crescemos a desaprender o que o Universo nos transmitiu, enquanto éramos puros? Não me parece.

E se alguém te pedisse para parares um pouco e te sugerisse que te sentasses a contar estrelas? “Mas porquê?” Porque sim, que disparate! “Tenho mais que fazer, do que contar estrelas.” Que mal viria ao mundo, se abrandássemos o ritmo? Sem agendas preenchidas, sem corridas desenfreadas entre mil e uma tarefas, somos prescindíveis, o mundo esquece-se de nós e isso não pode acontecer.

Temos de ser gente muito ocupada, muito solicitada, para sermos respeitados e importantes. Muitos dirão o contrário, mas o bulício dos dias, denunciá-los-á.

Sobrevivemos entrincheirados entre medos e desconfianças. Sustem-se o simples respirar, na esperança de que assim, se possa arranjar mais tempo. Guardamos sonhos em gavetas fundas, que fechamos, com chaves que atiramos para longe. Subimos a um palco desconhecido e nele representamos papéis de outros guiões. Escondemo-nos atrás de máscaras que nos assentam mal, que nos deixam desconfortáveis, e assim vamos colecionando frustrações e angústias, mas seguimos assim, trôpegos de vida, na esperança de um dia termos tempo, para ter tempo.

E se no meio da azáfama, aparece uma incómoda doença? E agora? E se te dissessem, que te restam 24 hora de vida? Assustador. Terrífico.

Talvez nos sentássemos à espera da morte, ou então… ou então, talvez ressuscitássemos a vida que um dia, não sabemos bem quando, deixámos esquecida, ao embarcar algures, na loucura dos dias. Talvez…

Não paramos mesmo? Claro que paramos. Descemos do palco, atiramos para longe a máscara que nos sufocava e percebemos que o mundo vai continuar a girar, se abrandarmos. Uma nódoa numa camisa é incómoda e altera-nos temporariamente a forma de estar. Uma doença pode alterar-nos para sempre a forma como encaramos o mundo, as pessoas, nós mesmos. Então, por que esperar um drama, para começar a viver?

Sim, podemos começar aqui e agora! O mais espantoso é que não depende de nada, nem de mais ninguém, depende única e exclusivamente de nós.

Sim, podemos mandar à merda aquele vizinho irritante, que cospe na rua.

Sim, podemos dançar à chuva sem medo de uma gripe.

Sim, podemos trazer para casa todos os animais abandonados que encontrarmos.

Podemos sentar e ficar a olhar para nada, ou, então, para tudo.

Digam-me. O que nos impede, senão esses fantasmas que acorrentámos aos dias? Apetece-vos tocar piano? Então, toquem. Se falharem as notas, voltam a tentar, qual é o problema?

Vamos finalmente contar as estrelas no céu?

Percam-se nos detalhes. Já viste aquela flor amarela, que nasceu, junto ao passeio, mesmo em frente à tua porta? Está a dizer-te que faltam 2 meses para a Primavera. Que maravilha! E aquele livro que tanto querias ler? Senta-te e lê. Afinal, tens tempo para ele. Para ele e para ti.

Há quanto tempo não dás um abraço demorado aos teus pais? Se ainda os tiveres, corre, corre mesmo e diz-lhes o quanto gostas deles. Pelo meio, agradece, agradece sem te cansares. Agradece e elogia, porque ele pode mudar o dia cinzento de alguém e quanto custa? Nada.

Quantos filhos ficaram à espera, que os pais tivessem tempo para brincar com eles? Quantos colinhos recusámos, porque íamos a correr para algum lado? “Temos de trabalhar muito, para ganhar tostões”, dizemos-lhes, carregados de remorsos e sabendo tão bem que o dinheiro compra tão pouco. Peguem nas crianças e levem-nas mundo fora, ensinem-lhes a apreciar a simplicidade. Os cheiros, as texturas, os sons da natureza. Reaprendam.

E se por acaso, quiseres chorar, chora. Chora, enquanto tiveres vontade. Encharca-te com as lágrimas que reprimistes anos a fio. Quem disse que não era bom chorar?

Mais leve?

Já tiraram todos os fantasmas do armário? Sacudam-nos, ponham-nos ao sol. Aproveitem a Primavera para fazer limpeza profunda. O dia, afinal, continua com as 24 horas intactas. Recuperar a vida plena só depende de nós e nunca, mas nunca, é tarde para recomeçar.

Aqui e agora? Porque não?

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