O Milagre Inquestionável

Dir-se-ia que política e religião são assuntos tabu em certas ocasiões onde se pretende manter um ambiente agradável e descontraído. A postura politicamente correta ou uma posição neutra são regras de boa etiqueta onde o campo de batalha verbal ideologista é colocado por momentos em hibernação pacífica.

Posto isto, e tendo em conta que este não é um desses momentos, mas antes de reflexão, questiono, o que leva alguém a acreditar, sem questionar, algo que se nos apresenta já como resultado de um feito inexplicável, fabuloso, transcendental ou até mesmo sobre-humano?

A profunda necessidade de encontrar uma explicação com base na ciência ou razão, mais ou menos lógica, para um acontecimento ou fenómeno natural, bem como a ânsia de acreditar no poder de recuperação e regeneração do ser humano, contrariando a sua natureza frágil, finita, limitada e mortal.

Considerando-me uma agnóstica, ateia ou crente sem religião, e uma perfeita descrente no que toca a milagres, vi neste tema uma oportunidade de tentar compreender o que sentirá ou pensará alguém que se encontra no lado oposto da estrada que todos caminhamos. Expor, de igual modo, a minha visão sobre o mesmo, pois ainda que tremendamente cética, ocasionalmente sinto a urgente necessidade de acreditar num milagre ou numa sorte. Talvez duas formas de ver a mesma coisa. Especialmente quando se trata de entes queridos, as suas fragilidades e partidas.

Contudo, antes de aprofundar o assunto, na minha perspetiva, acima de qualquer religião ou crença está o respeito pelo outro, e por nós próprios. Sendo que, na minha honesta opinião, a religião no seu sentido mais lato, seja ela qual for, é uma doutrina que tem raízes numa filosofia de vida e no saber bem como uma forte componente espiritual, logicamente deverá sustentar-se no respeito pela vida, seja ela qual for.

A importância de respeitarmos a religião professada pelos outros, que não seja de fachada, exploratória ou extremista é crucial. Para muitos, a religião é o que lhes resta na vida. O que lhes dá alento e esperança. O que permite encontrarem força para continuar. Alguns, por assim terem sido educados ou por encontrarem já, enquanto adultos, numa outra religião uma resposta para o seu propósito de vida, acreditam na existência de algo para além da morte e até mesmo na reencarnação. O que no meu entender enquadra-se na ideia de milagre. Pois a reencarnação, ou a nossa continuação enquanto alma ou energia, só assim podem ser entendidas. Um milagre cientificamente explicável, enquanto seres com energia em permanente movimento. Ou “simplesmente” um milagre assim considerado por cada uma das religiões, baseado na filosofia em que se baseiam.

Frequentemente a religião que é professada por quem realmente acredita, dita a forma, e os olhos com que veem a vida, e a morte, enquanto parte da vida. Condiciona igualmente o modo como vivem e interiorizam a cultura a que pertencem, bem como as relações interpessoais. Muito embora, em certas religiões, nomeadamente a católica, haja uma genuína vontade de aceitação, acolhimento e respeito pelas outras religiões, nomeadamente na pessoa do Papa Francisco. Neste caso, atrevo-me a dizer, que seria um milagre viverem em harmonia.

Não poderia continuar sem fazer referência às mais variadas religiões representadas nos quatro cantos do mundo. Sendo que as que têm maior representatividade podem ser divididas em dois principais subgrupos: as abraâmicas e as indianas. O xintoísmo e o taoísmo são igualmente duas religiões com grande expressividade.

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Nota adicional:

Os dois principais subgrupos religiosos são o abraâmico, onde se inclui o cristianismo, islamismo, judaísmo, etc… e o indiano representado no hinduísmo, budismo, sikhismo, etc… Devo ainda fazer referência à religião japonesa (xintoísmo) e à chinesa (taoísmo) que têm igualmente grande representatividade na população mundial.

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Tendo em conta que o milagre, que tem origem no latim miraculum, é um facto extraordinário, inexplicável e sobrenatural, oposto às leis da natureza, é facilmente atribuído a causa divina pois é quase impossível de acontecer.

A necessidade de acreditar num milagre, que frequentemente acontece em momentos de desespero, é a necessidade de acreditar na mudança, num acontecimento, cujo desfecho não está nas nossas mãos. Talvez na nossa esperança e na nossa fé, bem como nas nossas preces. O milagre da cura é o mais solicitado e aguardado. Até mesmo pelos não-crentes.

Para os católicos, os milagres acontecem pela mão de Deus. Há um benefício espiritual, que permite incentivar a eterna crença nele, fazendo-nos acreditar que Deus está no meio de nós e olha por nós: omnipresente, omnipotente, omnisciente. Sentimo-nos assim protegidos por alguém que tudo pode.

A ciência e a religião, principalmente a católica, que é com a qual tenho mais contacto, têm uma relação pacífica e de colaboração, especialmente no que concerne os milagres.

Perante um facto extraordinário e aparentemente inexplicável, a religião tende a colocar nas mãos da ciência uma explicação que se baseie na razão científica. Contudo isso não retirará o caráter miraculoso desse mesmo fenómeno.

Habitualmente os milagres baseiam-se em acontecimentos que muito dificilmente serão contraditórios e na sua generalidade não contradizem as leis da natureza. Algo que não é natural, não é tão pouco racional. Ou muito dificilmente será explicável, e consequentemente terá uma curta longevidade. Não será mais que uma efémera “realidade”.

A ciência enquanto razão da natureza, poderá afirmar se um acontecimento tem ou não uma explicação natural. Contudo não significa que esta seja exata. Apenas racional. Não invalida que por falta de evidência científica seja considerado de igual modo um milagre. Ou seja, não deixará de ser um milagre, ainda que não sustentado pela ciência.

Um milagre, não sendo, no meu conceito, algo exato, bem como a religião não o é, nem tampouco a ciência, só poderão ser corroborados pela análise, observação e experiência, no sentido de tentar alcançar uma verdade dificilmente contestável pelo Homem.

Um milagre, a meu ver, muitas vezes não será mais do que o resultado da necessidade do Homem querer acreditar que o impossível é possível. Que a doença mais grave tem cura. Que a morte não tem que ser para agora. Que não tem que haver fome se houver pão na mesa. Que um novo ser que nasce, veio ao mundo enquanto pequeno milagre para ser melhor. Para salvar o mundo que por falta de fé, e pelo peso da idade, não tem um longo futuro.

Na verdade, a vida por si só, para muitos, já é um milagre.

A única ciência que poderá existir no milagre é a da razão, e a da absoluta necessidade de tentar materializar o que aparenta ser imaterializável.

Os milagres são D. Sebastiões, que poderão surgir da bruma das dificuldades, da tragédia, da necessidade da realidade ser outra que não esta. Talvez, um dia, venha acreditar num milagre que derrua o meu ceticismo desprovido de crença e pouco científico.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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