As últimas crises económicas que o mundo assistiu tiveram como referências geográficas a Argentina e o Chipre. Só que nenhuma pareceu ser tão grave como esta. Muitos defendem ser este o início do fim da União Europeia, pelo menos a nível monetário, que todos conhecemos.
Ninguém esquece as imagens que as televisões transmitiram como a pilhagem de supermercados ou protestos nas ruas. Já no Chipre os grandes capitais saíram do país e os bancos fecharam ( a história tende a repetir-se e os descendentes de Hércules viveram no fim do mês o mesmo “aperto” que os filhos de Afrodite tinham vivido anos antes). Os turistas, que antes vangloriavam-se de não terem tido qualquer problema e de estarem a pagar com cartão de crédito, tiveram uma desagradável surpresa.
A crise económica iniciou-se na Grécia em 2010,tal como em Portugal, devido à crise da divida pública na zona Euro. Só que a situação agravou-se, quando se descobriu que o governo grego estava a esconder o verdadeiro valor da divida nacional. O mesmo estratagema, de esconder um valor macroeconómico, foi usado,recentemente, pelo governo de Cristina Hernández Kirschner, na Argentina. A divida pública grega equivale a quase dois anos da totalidade do PIB ( esta é a riqueza produzida em território nacional durante um determinado período de tempo, normalmente um ano,por agentes económicos independentemente da nacionalidade dos agentes envolvidos) produzido no país.
O primeiro regaste foi pedido a 23 de abril de 2010 e perfez um total de 100 biliões de euros. Este pacote chegou com a assinatura de um memorando de entendimento com o FMI e o BCE(Banco Central Europeu), que incluiu um congelamento de salários de todos os funcionários públicos para alem de um corte de 10% em bónus e em horas extraordinárias.
A 23 de Maio de 2010, depois de perceber que o pacote de austeridade não estava a dar os resultados previstos, a Grécia pediu ajuda à União Europeia/FMI, pois precisava de dinheiro antes de 19 de maio, ou teria de enfrentar uma dívida de 11,3b biliões de dólares.Pouco depois, a Comissão Europeia, o FMI e o BCE criaram uma comissão tripartida (a Troika) para preparar um programa adequado de políticas económicas subjacentes a um empréstimo maciço. A Troika foi liderada por Servaas Deroose, da Comissão Europeia, e incluiu também Poul Thomsen (FMI, que chegou a ser o representante deste organismo nas negociações do pacote português, sendo posteriormente substituído por um economista Indiano) e Klaus Masuch (BCE). Estes pacotes foram negociados pelo governo de Papandreu, só que a população saiu para a rua com manifestações violentas, que levaram à morte de três pessoas.
A 12 de maio de 2010,o déficit,ou seja a descida generalizada dos preços(uma “medida” que no curto-prazo pode ser vista como sendo positiva, mas no longo-prazo faz com que a economia se contraia) reduziu-se 40% face ao ano anterior.
A 10 de novembro, Papandreou renunciou ao cargo de primeiro-ministro, na sequência de um acordo com o Partido da Nova Democracia e o Grupo Popular Ortodoxo, para que pudesse ser nomeado um novo primeiro-ministro que promulgasse leis associadas à implementação das novas medidas que foram acordadas com a UE.A pessoa escolhida para esta tarefa foi o tecnocrata Lucas Papademos, ex-Governador do Banco da Grécia e antigo vice-presidente do Banco Central Europeu( o atual vice-presidente deste organismo é o português Vítor Constâncio). A sua nomeação foi criticada por partidos de esquerda como sendo “inconstitucional” . Três sondagens diferentes, feitas quando assumiu o cargo, revelaram que cerca de 75% dos gregos pensavam que o estado de emergência temporária de cariz tecnocrático era “positivo”( por exemplo,a Itália,um dos países da europa do sul que enfrenta problemas financeiros, também teve um governo de cariz tecnocrata).
Muitas das pessoas que saíram para a praça Sintagma acusam a união europeia de se ter esquecido dos valores de solidariedade que deveriam ser as bases do projecto europeu, que teve a sua ideia inicial com o fim da segunda guerra mundial. Falando em solidariedade, um jovem britânico iniciou recentemente uma campanha para recolher donativos para pagar a divida grega. Em 24 horas, foram arrecadados 200 mil euros dados por treze mil pessoas.
O objectivo é chegar aos 1.6 mil milhões de euros, que é quanto este país deve ao FMI de Cristine Lagarde. No dia em que o país entrava em incumprimento,a Grécia fez uma nova proposta para restruturar a dívida.Segundo o gabinete do primeiro-ministro Alexis Tsipras, a proposta prevê uma ajuda de dois anos.
Alexis Tsipras já acusou o FMI de ter “responsabilidades criminais” em relação à crise grega e apelidou as declarações de alguns membros do eurogrupo como “atos terroristas”. A proposta apresentada pelo governo do Syriza aos credores internacionais previa uma receita de 680 milhões de euros. Porém, alguns dos pontos apresentados não conseguiam o acordo entre o governo grego e as instituições internacionais, entre os quais destaca-se:
Teatro – Taxa de IVA para 6%, antes estavam isentos. Por cá, o cinema e os espetáculos ao vivo (onde está incluído o teatro) têm uma taxa intermédia de IVA de 13%, mais alta assim do que a proposta da Grécia;
Gás e eletricidade – Na Grécia, o Financial Times avançava que a intenção era a de passar dos 6% para 13%. Em Portugal, estes serviços passaram da taxa mínima para a máxima de 23%, em 2011. Foi uma das primeiras medidas de austeridade que veio com a troika.
Aumento da taxa de IRC de 26% para 29% – Um aumento mais gravoso e em contraciclo com o que aconteceu por cá. Em Portugal, a taxa era de 25% e foi reduzida, em 2014 ,para 23% e este ano para 21% para a generalidade das empresas.
A campanha acabou a 5 de Julho, o dia da realização da consulta popular mais importante alguma vez feita neste país. Após a vitória do “OXI” e contra todas as expectativas, o ministro das finanças Yannis Varoufakis demitiu-se para que o acordo seja alcançado, já que alguns lideres europeus consideram-no um “amador” e um “jogador”, entre outros termos. Este ministro havia acusado os países mais pequenos, como é o caso de Portugal e mesmo da Espanha, de serem “mais alemães que a própria Alemanha”.Os alemães foram os principais financiadores dos fundos comunitários que entraram na Grécia nos últimos 20 anos, são os principais financiadores do resgate grego, são os principais emissores de turistas para a Grécia. É por isso que Angela Merkel ou o presidente francês, François Hollande, são tão importantes para que se chegue a um consenso. Só que a situação financeira e económica grega é muito complicada de resolver.
A questão financeira, económica e política da Grécia piorou. A confiança dos parceiros europeus na Grécia é hoje menor. O FMI e o BCE, os dois parceiros da Troika tradicionalmente mais flexíveis e apoiantes, manifestaram publicamente que a Grécia tem de fazer muito mais para obter apoios futuros. Foram retirados 20 mil milhões de euros dos bancos gregos pela população, ou seja, 10% do PIB da Grécia. As taxas de juros sobre a dívida grega dispararam novamente para valores acima dos 10% a 3, 5 ,ou 10 anos. A coesão política e a estabilidade social começaram a regredir. E a saída do “marechal de campo” do governo helénico é uma forte evidencia deste mal-estar.
No plano político interno, Alexis Tsipras saiu reforçado e pede união. O líder da oposição, Antonis Samaras, demiteu-se(foi derrotado pela segunda vez, em menos de seis meses). A saída de Antonis Samaras era vista como inevitável, desde a derrota de janeiro. Nos meses seguintes, a Nova Democracia caiu ainda mais nas sondagens e a popularidade de Samaras, principal executor das políticas da troika na Grécia ,nos últimos anos, era a pior de todos os líderes partidários.
A nível externo, o Podemos espanhol, a Frente Nacional francesa e a UKIP britânico tentam cavalgar sob a vitória do Syriza e aproveitaram para criticar a UE.
O novo ministro das finanças ainda não apresentou propostas concretas ao eurogrupo. O primeiro-ministro já falou no parlamento que alguns dos problemas tinham que ser os próprios gregos a resolver, como é o caso da corrupção desenfreada nas estruturas governamentais. Assim que Alexis Tsipras chegou à chefia do governo,há cinco meses atrás, implementou uma agenda de gastos públicos para recuperar a economia.
Os próximos tempos prometem ser muito movimentados. A Alemanha já apresentou uma proposta que visava uma saída temporária da Grécia durante cinco anos. As propostas gregas foram a votação no Eurogrupo, o que demonstrou uma grande cisão entre os países do norte e os do sul,com 10 votos contra um novo empréstimo e oito a favor.