Ao dar uma vista de olhos no facebook deparo-me com um desabafo de uma amiga. Dizia ela que estava a ter um dia mau, daqueles que parece nada correr bem e o seu desejo era chegar a casa. Compreensível. Todos temos dias destes e queremos é eliminá-los. Mas ela ainda tinha mais um desafio pela frente, sem o saber. Viu uma senhora caída no chão e um cão ao seu lado. Claro que parou o carro e foi ver o que se passava. A cena era deplorável: idosa, esfomeada, cheia de frio e sozinha. O cão, o fiel amigo daquela senhora não a abandonou. Ela fez o que pôde e chamou a ambulância. A senhora foi encaminhada para o hospital, onde terá assistência médica, cama, calor e alimentação. O cão foi com uma vizinha que o cuidará até ao regresso da dona.
A minha amiga ficou com o coração despedaçado e eu não pude ficar indiferente a tudo isto. Quando pensamos que tudo nos corre mal, a vida aparece, assim, de frente, para nos mostrar como estamos enganados. E ainda bem. Deixamos de olhar para o nosso umbigo e acordamos. E os outros? Como se sentem? Como vivem? Esta senhora vive sozinha, não tem ninguém humano que a cuide, que se preocupe com ela. Tem o seu amigo de 4 patas, o cão que não saiu do lado dela e a cuidou, naqueles momentos em que não havia ninguém para a ajudar. Que grande lição que este ser deu aos humanos que não se importaram com uma pessoa caída, num passeio. Como se pode abandonar estes seres tão sensíveis e especiais? Não entendo.
O que irá acontecer a esta senhora? Certamente que voltará para casa e terá o seu amigo, o seu companheiro, à sua espera para a confortar, para lhe fazer companhia, para a ouvir no seu silêncio e a consoar nas suas tristezas e mágoas. As curas pelos pêlos são eficazes, mas não são a solução. Que fazemos aos nossos idosos? Fechamos os olhos e pensamos que não existem? Ignoram-se? Não consigo tirar a imagem da minha cabeça. Não é agradável e muito menos ético. Para onde caminhamos?
Caminhamos para velhos e não é um estatuto desejável, antes pelo contrário é evitável. Quem nos cuida quando não nos pudermos cuidar? Vivemos mais anos, temos mais qualidade de vida, mas envelhecemos. É uma certeza. E um dia vamos morrer. Que seja com dignidade e respeito pela vida humana. Esta é uma sociedade tão hipócrita! Enquanto nos puderem explorar somos úteis, temos préstimo e valor. Depois tapamos o sol com a peneira, olhamos para o lado? Exterminamos os velhos? Já não produzem, são um encargo.
Onde está a vinculação? Somos robots e não seres humanos? Este episódio dá que pensar. Quando nos queixamos da nossa vida, das pequenas contrariedades que temos de enfrentar, estamos a esquecer que não somos nada, a não ser um grão de areia neste universo gigantesco e que não temos importância de maior. Do outro lado há sempre alguém que precisa mais, a quem acontece algo de complicado e dramático, só que estamos tão auto-concentrados que não vimos nem ouvimos os apelos.
Somos seres sociais, mas ignoramos o vizinho do lado, não sabemos nem queremos saber nada sobre ele. E quando digo saber é interesse sincero e verdadeiro e não uma atitude de espiolhar a vida alheia. Quanta inveja existe naquilo que não se conhece! Talvez o que dê alento à senhora seja o cão, o amor que ele lhe dá sem querer receber nada em troca, incondicional. Ela só se tem a si e a ele basta-lhe. Não saiu do seu lado. Quantos filhos, familiares e afins se afastam em momentos idênticos, quando os seus idosos caem numa cama, num hospital, num lar, em desgraça, em infortúnio? Quantos? Mas o cão não arredou pé, tomou conta dela na esperança de que alguém se aproximasse.
E nós que fazemos? Viramos as costas para não arcar com as consequências do acontecido, não queremos saber e ainda nos queixamos. Temos tudo e não damos valor. Não somos felizes porquê? Porque, simplesmente não gostamos de nós. Somos maus e odiamo-nos com toda a certeza! Continuamos a ser egoístas e só nós é que interessa e tem valor. Pensem nisto. Eu penso. Não somos filhos duma nação, somos, mas é filhos de uma refinada sacanice que não tem explicação possível.
Completamente de acordo com este artigo….o que fazer com os nossos velhos, um dia seremos nós….e depois….será tarde de mais….Obrigado Margarida por esta escrita!
Bonito texto.
Obrigado Margarida 🙂