Mulheres Invisíveis

Um euro por cada vez que reclamei da falta de equidade entre homens e mulheres e obtive como resposta um “então mas vocês não querem igualdade?”, muito provavelmente estaria rica! No mundo ocidental, em que a luta pelos direitos das mulheres evoluiu do ponto em que nos é permitido sair de casa sozinhas, casar (ou não) com quem queremos e sermos consideradas gente, muitos homens “abertos e sensíveis” à causa feminina acreditam totalmente que atingimos o objetivo. Chegámos finalmente à igualdade uma vez que começámos a marcar a nossa posição na sociedade, que as mulheres em posição de chefia são em maior número e que a vida pública, na generalidade, nos está aberta e disponível. No entender dos mais conservadores, na sua maioria homens, a questão dos 99 anos que nos separam da igualdade de género, é baseada em exigências mesquinhas e pouco relevantes.

Só que não.
Sabia que, num acidente de automóvel, uma mulher tem 17% mais probabilidade de morrer do que um homem, nas mesmas circunstâncias? E que a probabilidade de ferimentos graves é 47% superior à de um homem? E se lhe disser que estes números estão dramaticamente relacionados com a descriminação de género, vai dizer que estou a exagerar?!

Infelizmente não estou e a juntar-se a estes existem muitos outros dados igualmente chocantes e tristes, apresentados por Caroline Criado Pérez no seu livro Mulheres Invisíveis, um livro obrigatório a todos os que queiram um futuro mais justo e adequado a todas as pessoas que habitam o mundo – homens e mulheres!

A ciência e o mundo, desde o seu início, abordam todas as problemáticas na perspetiva “masculino por defeito”. Esta abordagem vai muito além da linguística e da oratória. Vai à investigação, à saúde e à segurança. Comecemos pelos dados acima referidos. As mulheres tem uma probabilidade maior de morte em acidentes de viação, independentemente da sua capacidade de condução. As mulheres tem maior probabilidade de morte em acidentes de viação do que os homens, porque os testes de colisão, que visam analisar a segurança dos automóveis, são realizados com recurso a manequins baseados no “homem” médio – sexo masculino, 1,77m de altura e 76kg de peso – não existindo a obrigatoriedade legal de executar estes testes com recurso a modelos feminino. Desta forma, a segurança dos automóveis, o design dos bancos e do habitáculo, não são concebidos nem estão preparados para proteger o corpo feminino, num eventual acidente. Simplesmente porque os dados do corpo feminino não foram tidos em consideração, durante o desenvolvimento dos componentes. E é do conhecimento geral e científico, que o corpo feminino e masculino são totalmente diferentes, certo? O corpo feminino, quando testado, por norma, apenas o é no lugar do passageiro.

Toda a história humana padece de um dramático défice informativo – a versão feminina. Desde sempre, considera-se que a vida dos homens, representa a generalidade da vida dos humanos. O lado feminino e a vida das mulheres encontra-se num enorme vazio, um silêncio que tem consequências diariamente. O mundo é criado e desenvolvido à semelhança do homem médio, a mulher e a sua anatomia são transfiguradas historicamente numa versão “menor” do corpo masculino. Na atualidade, o mais grave e preocupante é que este facto não é deliberado ou mal-intencionado, apenas é porque sempre assim o foi. É o resultado de uma forma de pensar com séculos de existência, que leva a sociedade a nem pensar nas mulheres…ficam subentendidas. 

A história atual é feita de dados, de tecnologia e de algoritmos que…apenas contam metade da história. Muitas decisões políticas, sociais, tecnológicas e científicas que são tomadas atualmente, têm como base dados estatísticos e estudos que ou não tem uma amostra feminina representativa ou não segmentam os dados por género – sabia que as mulheres representam 55% dos adultos portadores de VIH no mundo desenvolvido, no entanto, estudos americanos demonstram que estas constituem apenas 11,1% em investigações dedicadas à descoberta de uma cura? Este é um dos inúmeros exemplos que Caroline Criado Perez nos apresenta.

Mulheres Invisíveis apresenta-nos factos, acontecimentos históricos e dados atuais sobre um mundo feito por e para homens. De forma simples, direta e brutal, a autora expõe-nos o tanto de caminho que ainda nos falta percorrer para chegar à tão desejada igualdade. Revela-nos as consequências de um mundo talhado para ignorar as mulheres e a perspectiva feminina da vida, fundamentando as vantagens globais num futuro em que existisse mais equilíbrio e equidade.

Senti-me revoltada, injustiçada e triste, em muitos momentos durante a leitura. Este livro revelou-se-me fundamental, fez-me refletir no futuro que estamos a construir para as nossas crianças. Para as meninas, principalmente. Leia-o. Aconselho vivamente a sua leitura e à reflexão, porque a mudança deve partir de cada um e de cada uma de nós… devemos-lhes isso!

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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