O mais recente filme de Cláudia Varejão, “Amor Fati”, é uma das mais belas representações no cinema português de empatia e amor entre dois seres.
Expressão latina que significa «amor ao destino» ou «aceitação do real», “Amor Fati” representa, acima de tudo, a vida ela a ser ela própria. Num presente constante, sem que o espectador possa aceder ao passado de cada indivíduo que nos é apresentado, a longa-metragem compõe-se de pedaços isolados de uma continuidade que todos partilhamos: o tempo, a vida, as relações humanas.
Neste documentário, que se poderia dizer que não segue uma narrativa contínua, é, por sua vez, carregado de quotidianos e olhares sobre o mundo que mostram a forma como cada um de nós segue um padrão evidente de procura de afeto, de relações e de pequenos gestos que dão significado à nossa existência.
É através da relação com o outro que cada uma das personagens se encontra e vive e a longa-metragem é exímia ao mostrar como os sentimentos podem ser revelados sob as mais diferentes formas.
Sem intervir no decorrer da captura dos momentos que podemos contemplar nesta obra cinematográfica, Cláudia Varejão convida-nos a olhar atentamente para o mundo através da forma como em cada cena se abrem portas para uma intimidade que não conhecemos.
E são precisamente esses lugares de intimidade que não conhecemos, mas que de alguma forma nos tocam, que “Amor Fati” nos conduz pela jornada nua e crua que resiste no palpitar da vida humana.
«Dizem que os rostos daqueles que se amam tendem a ficar parecidos. As pessoas atraem-se e repelem como se fossem elementos químicos. Mas como reconhecer a pessoa e o caminho certo?»
Esta é a frase com que o filme começa iniciando uma premissa base que se mantém no decorrer das relações que nos são apresentadas, desde a evidente semelhança física, à comportamental, presente até em relações entre seres humanos e os seus animais de companhia.
Duas idosas de uma aldeia remota do interior norte de Portugal, um travesti e o seu cão, um rapaz cego que faz beatbox e a sua mãe, duas gémeas empregadas num café à beira da estrada, uma mãe cigana e a sua filha, uma família de músicos arménios, um eremita e o seu cavalo branco. Estes são alguns dos protagonistas escolhidos pela realizadora que nos traz em cada um destes rostos a forma como o afeto pode tornar-se um reflexo da arte que há em nós.
Seguindo o ciclo próprio da vida, é no final do filme que percebemos o significado da ideia de que “o filme começa quando termina”, pois, finda a rodagem, deparamo-nos realmente com tudo o que o filme nos mostrou: a vida a ser ela própria.