Quem diz que um homem não sente não sabe aquilo que diz. Um homem também chora e pode ser por dentro, com lágrimas quentes e secas, de dor profunda, de raiva contida pelas regras ridículas e patéticas que o coração desconhece ou que a sociedade lhe quer impor.
Recordava aqueles momentos, aqueles deliciosos momentos em que a tinha visto pela primeira vez. Era ela! A tal! Que baque que lhe deu no coração. Ela estava ali à sua frente. Os sonhos, aqueles momentos em que se deixa o corpo e se flutua num espaço morno e doce, afinal podem ser realidade.
Passou por ele, cheia de pressa, com as pernas em veloz movimento. Muito pálido, arrancou forças, dentro de si para correr. Não era seu apanágio. As pernas tremiam-lhe de tal modo que pareciam não ser suas. Correu, ou melhor, tentou correr para a alcançar. Um esforço tão grande que ganhou forças especiais.
Ela nem o viu, continuando a sua vida, o seu passeio, os seus pensamentos. Sem se aperceber tocou-lhe, ao de leve, no ombro e ela olhando-o com alguma desconfiança disse-lhe:
– Não esperava encontrá-lo.
E então começou ali a história mais bonita de todas, aquela que será única e que ficará para sempre marcada na sua memória. Conversaram e continuaram a correr, como se se conhecessem há muito tempo. As pernas já nem doíam, pois a alma é que corria a agarrar um coração que voava cada vez mais alto.
Eram duas almas gémeas que se tinham cruzado no local certo e à hora certa. No final do passeio os olhos estavam limpos de tanta emoção, mas as mãos mentiam: suavam com o medo de não a voltar a ver.
Durante sete dias ficou sem sair do parapeito da janela, na esperança de a ver passar. A sua garganta era um nó gigantesco carregado de incertezas e de desilusões. Será que ela se lembrava dele? Voltariam a estar juntos? Teria sido real ou somente um sonho? Seria verdade?
A verdade? Que verdade se pode esperar quando se vive num engano? Ele sentia. Ele sabia, ele sofria como nunca pensou que fosse possível. Onde acaba a ficção e começa a realidade? Onde se encaixam os sentimentos?
Que se passava com ele? Decidiu sair de casa, enfrentar o mundo, esquecer tudo o que tinha acontecido. Seria capaz? Voltou a correr no mesmo jardim, já sem esperança de a voltar a ver. Não interessava. A vida tinha de continuar!
Correu de tal modo que a respiração lhe faltou, o chão fugiu e o vento o acompanhou. Caiu, tonto, ofegante. Chorou as tais lágrimas secas, agridoces, da solidão e do amor não correspondido. Irra! Que merda de vida!
Levantou-se e reparou numa porta, ao fundo, que nunca havia visto. Sentiu um certo apelo e não soube explicar. Cambaleante dirigiu-se a ela como se fosse um íman poderoso que o atraía. Não entendia. Como é que nunca a tinha visto?
Tocou à campainha e alguém abriu a porta com um sorriso quente. Depois as mãos deram-se, os beijos trocaram-se e os corações elevaram-se. As doces borboletas soltaram-se e o sofrimento desapareceu. O amor encheu-se de ilusões que perduraram por um momento eterno.
E assim, de olhos nos olhos e mão dada, enfrentaram os montes e vales da vida, as tempestades e as bonanças, os sins e os não e os talvez que a vida fez o favor de lhes ofertar. O amor deve ser servido em doses generosas e bem decorado. Assim como os presentes que enchem a vista e dão uma alegria que não se consegue medir.