Reflexo real

Um violento estilhaçar de vidros irromperam pelo silêncio. Carlo viu o seu descanso ser interrompido e levantou-se da cama. Aproximou-se da varanda procurando identificar de onde surgiu o barulho. Foi para o exterior e apenas num olhar viu o que nunca queria ter visto. Do outro lado da rua, um rosto mirou-o de repente. O rosto de um homem ainda mais assustado que Carlo. Cabelo desgarrado, faces salpicadas por sangue, olhar perdido no fundo do terror de Carlo, uma garrafa cortada na mão pingava para o chão onde jazia um corpo sem vida.

Carlo logo fugiu para o interior desejando não ter visto o que acabara de ver. Ofegante e a tremer olhou por um canto e viu o homem a mirá-lo antes de correr para o interior. Logo soube que ele viria atrás de si, era a única testemunha de um homicídio e o seu destino parecia estar traçado, e era um traço muito curto.

Desceu as escadas do seu prédio sem esperar pelo elevador. Sem pensar correu para o fundo da rua, sabia que para o outro lado encontraria o assassino de frente. Escondeu-se por detrás de um carro e viu o homem a correr passando o prédio de onde acabara de sair. Logo correu imerso em terror, adrenalina no máximo, mente confusa sem conseguir perceber outra solução que não apenas correr mais do que um homem que parecia ser mais rápido do que ele.

Entre viaturas a buzinar e travagens bruscas, gritos de socorro, correrias por entre ruas, escadarias e vielas a perseguição adensava-se a cada minuto e cansaço também. Depressa percebeu que ali em espaço aberto nunca estaria fora do alcance do olhar malévolo que o queria matar. Foi correndo enquanto empurrava as portas de prédios na ânsia de encontrar uma aberta, apesar de assim ir perdendo terreno, o que lhe aumentava ainda mais o ritmo cardíaco e o puro terror.

Enfim a sorte, uma porta aberta de um prédio parecia uma dose de esperança. Teve o cuidado de a fechar atrás de si antes de se lançar pelas escadas acima. Mal chegava ao primeiro andar quando ouviu uma explosão de ruído com o homem a arrombar a porta. De respiração descontrolada subiu mais um, dois, três andares antes de se precipitar por uma porta aberta de alguém que procurava saber o que se passava. Mas o perseguidor também o fez e estava prestes a apanhá-lo. Escondeu-se numa varada e ouviu o homem a dizer: “calma, deixe-me explicar, não lhe quero fazer mal”. Mas Carlo não quis cair num logro e de repente tinha o homem na sua frente e decidiu num impulso atacá-lo, antes predador que ser presa. O homem defendeu-se e derrubou Carlo, este levantou-se e viu-se encurralado, já esperava o seu fim quando sentiu uma garrafa, segurou-a, partiu-a e avançou. Um primeiro golpe no rosto tentando apenas fazer o homem desistir, depois outro no pescoço, fundo, penetrante, fatal.

O homem tombou sem vida e Carlo ficou imóvel na varanda com o rosto salpicado de sangue e a garrafa partida na mão ainda a pingar o vermelho da morte. Um barulho e do outro lado da rua viu um homem imóvel com olhar em puro terror a olhar para si antes de se esconder.

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