Gratidão

Se taparmos o nariz e a boca acontece a mais elementar das evidências. Tão elementar que até parece ridículo. Mas, tapar as vias respiratórias talvez seja um exercício a fazer naquelas alturas em que nos esquecemos de viver no deslumbramento da inspiração do ar que viaja nas estradas dos nossos pulmões. É que não podemos viver nem vivenciar os sabores e dissabores da vida, nem podemos apreciar o que somos, o que temos, o que vemos e o que sentimos, se não respirarmos. Então, talvez esta questão não seja assim tão insignificante… É que respirar é tão simples e automático que até nos faz esquecer que é um milagre. E os milagres são grandeza. E pelas grandezas da vida só há uma forma possível de reverência: a gratidão.

Todos os dias encontramos motivos para acordar sob o tecto e sobre a almofada da gratidão. Não uma gratidão abstracta, de dizer obrigada ao universo e a outros infinitos, mas sim uma gratidão concreta e imediata. Gratidão a nós próprios por nos permitirmos sentir gratidão. Gratidão pelas coisas simples da vida, que, por serem gratuitas e tão grandiosas, até parecem mentira. Gratidão pela nossa família e pelos nossos amigos. Gratidão pelas nossas forças e fraquezas. Gratidão pelos nossos erros, que nos trazem aprendizagem. Gratidão pelo nosso trabalho. Gratidão pelo azul do céu e do mar, pelas flores do campo, pelas cores do Outono. Gratidão por [nos] amarmos e sermos amados. Gratidão por todos os pequenos presentes à nossa porta. Gratidão pelas Manelas, pelas Gildas, pelos Manéis, pelos Jorges, pelas Bárbaras, pelos Élvios, pelos Josés, pelas Cecílias, pelos Antónios, pelas Isabéis, pelos Joões, pelos Nunos, pelas Leonores, pelas Paulas, pelas Sónias, pelas Mafaldas, pelas Anas, pelas Sofias, pelas Cláudias, pelos Paulos, pelas Marias, pelos Fernandos, pelas Camilas, pelos Miguéis, pelos Leonardos, pelas Sombras, pelas Graças da nossa vida… Gratidão por estarmos aqui, agora, neste presente.

Não é de todo um chavão isto de aclamar gratidão pelas subtilezas da vida. Muito pelo contrário, é um acto de humildade e nobreza, um motivo de grande alegria e de conexão com a vida e com os outros. Pois, é quando captamos esta magia das coisas, que se dá o clique para a beleza de tudo o que damos por garantido. E também para o seu enorme valor. Até porque assim que tomamos consciência de tudo o que temos, vemos tudo o que podemos perder. Portanto, antes de nos lamentarmos das vicissitudes da vida, sejamos gratos pela simples razão de sentirmos a brisa do mar e respiremos bem fundo como forma de agradecimento pela nossa existência.

Agradecer deveria ser tão simples quanto respirar. Mas nem sempre é assim. Até porque não é possível viver sempre em modo manual. O piloto automático acelera… E também porque, por vezes, a vida coloca-nos perante situações de perder o fôlego. No entanto, quando os automatismos nos levarem para o caminho da ilusão das coisas dadas por garantidas, basta fazermos aquele exercício de tapar as vias respiratórias para percebermos que respirar é o ponto de partida e de chegada da Gratidão.

Quanto maior é a gratidão, maior é a aceitação. Quanto maior é a gratidão, menores são os impactos. Quanto maior é a gratidão, maior é a nossa alegria de viver. Quanto maior é a gratidão, maior é o nosso coração.

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