Paris viveu três dias de terror, com um balanço trágico de 17 mortos em três acções terroristas. O fanatismo islâmico – a barbárie fascista dos nossos dias – venha da Al Qaeda, do Estado Islâmico, ou da puta que os pariu -, que no passado recente aterrorizou Nova Iorque, Londres e Madrid, espalhou agora a morte em Paris. Escolheram, desta vez, como alvo principal para a matança os jornalistas e cartoonistas de um jornal satírico, corrosivo, irreverente, livre e, de certa maneira, um símbolo do exercício da liberdade de expressão e de opinião das sociedades democráticas.
Neste momento, não se pode dizer que Paris é Uma Festa, como a viu Ernest Hemingway, em meados dos anos vinte do século passado, quando por ali viveu, mas pode-se dizer seguramente, apesar da tragédia e do choque, como disse Enrique Vila-Matas: Paris Nunca se Acaba. Porque Paris está no coração de uma Europa que, apesar das crises, dos medos e das ameaças, ainda é terra de tolerância, de liberdade e de democracia. É terra de todos os credos e de todas as culturas. Nas águas-furtadas que Margarite Duras alugava aos amigos, em Paris, por onde passou nos anos setenta Henrique Vila-Matas, “tinham vivido o escritor e ilustrador Copi, a delirante travesti Amapola, um amigo do mágico Jodorowsky, uma actriz de teatro búlgara, o cineasta underground jugoslavo Milosevic e inclusive o futuro presidente Mitterrand, que em 43, em plena Resistência, ali se tinha escondido dois dias”. Foi, pois, na diversidade que se forjou a identidade cultural e nacional da França que hoje conhecemos.
A França é, e sempre foi, a Pátria de milhões de estrangeiros. De outros países europeus, com particular destaque para portugueses, mas também de latino-americanos, de árabes, asiáticos e africanos. Mais de metade dos médicos dos hospitais nos subúrbios franceses são de origem estrangeira. Quase metade dos funcionários das empresas de limpeza provém da imigração e 60% das oficinas mecânicas da região de Paris pertencem a empresários estrangeiros. Mais de 10% da população francesa é muçulmana.
No dia em que, em Paris, terminou a angústia dos reféns numa loja e com a morte dos terroristas islamitas envolvidos, uma menina de cerca de dez anos, vestida de explosivos, explodiu num mercado de uma cidade da Nigéria, matando 18 pessoas. A acção terrorista foi atribuída ao grupo Boko Haram, o qual pretende instaurar um “estado islâmico” naquele país africano.
Os perigos para as sociedades democráticas, particularmente na Europa, não provêm da imigração, sobretudo dos países muçulmanos, nem da queda de fronteiras, como diz a extrema-direita europeia, e neste caso concreto, a extrema-direita francesa. Provêm, essencialmente, do laxismo dos dirigentes europeus (e americanos), no pleno diplomático e militar, em enfrentar a ameaça fascista do islamofascimo, de que o exemplo do abandono dos curdos nas terríveis batalhas travadas em defesa da cidade sírio-curda de Kobane serve por todos.
A democracia, a liberdade, a diversidade, o pluralismo não são a origem de nenhum mal, antes pelo contrário. Nem os povos muçulmanos, vivam onde viverem, são um perigo para quem quer que seja. O fascismo, seja em nome de uma raça, ou de uma religião, esse sim, é um perigo para todos os cidadãos. Deve ser combatido sem contemplações e sem tacticismos à volta de negócios, seja do petróleo, ou de outros, ou de “equilíbrios regionais”. No passado, a condescendência face à ascensão fascista provocou milhões de mortos. Não deixem que a história se repita.
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