Vou começar pelo fim.
Espero, do fundo quente do meu coração, que o Natal tenha sido santo e feliz, repleto de reencontros, de reconsiderações, reuniões, jantares, copos cheios e gargalhadas aos trambolhões. Espero igualmente que se tenham reunido em família, ou simplesmente que se tenham prostrado no sossego impenetrável dos vossos lares e no conforto quente dos sofás, mas que tenham, acima de tudo, tido uma agradável noite de Natal. Posto isto vamos ao que aqui me traz:
Pergunto-me se na noite de Natal, sim, nessa precisa e santificada noite, tiveram a decência de se recolherem, ainda que por pouco tempo (que ninguém está à espera que agora se tenham convertido em fervorosos pensadores, ou em sociopatas insuportáveis), com os vossos pensamentos. Sim, que o Natal é para estar com a família e não para se porem com meditações budistas, nada disso. Mas… o que vos pergunto é tão simples quanto isto: Tiveram, ou não a hombridade de se recolherem, durante alguns minutos com os vossos pensamentos? Cinco minutos imberbes que tenham sido, a fim de repensarem tudo o que foi o ano que agora termina e para tentarem adivinhar alguma coisa que vos possa calhar em sorte no novo ano que se aproxima, tiveram? Ai não? Posso ao menos perguntar-vos… porquê?
Permitam-me desde já sossegar-vos e assegurar-vos que não estou aqui para julgar seja quem for, até porque, como já deu para perceber, um tipo que escreve um texto destes e tem o descaramento de atirar perguntas para o ar e falar como se de facto alguém lhe estivesse a responder, não tem grande legitimidade para julgar quem quer que seja, mas, ainda assim, atrevo-me a perguntar uma vez mais: Porquê?
Salvo aqueles que tenham de facto uma boa razão, que justificação têm para não o terem feito? O que vos impediu de se recolherem, sozinhos, em solilóquios mentais de curta duração, em flashbacks de 2014 a pedido, a fim de pensarem um pouco… nos outros, nos que não tiveram ceia de Natal, nos que não tiveram prendas, chocolates, Bolo Rei ou Rainha, ou filhoses da vizinha. Nos que não tiveram os pais por perto no Natal, em todos aqueles para quem esta é, de longe, a mais triste das quadras, a mais vil das épocas, a mais estúpida das festas? Qual foi, então, o motivo?
Pois, tal como eu calculava, nenhum. Por razão alguma não existe razão ou explicação, pois não? Estão por aí ainda? Ainda não vos fiz arrepiar caminho, pegar no rato, ou alçar do dedo para irem ler as missas do padre de outra freguesia, fartinhos que já devem estar deste começo de sermão a atirar para o ofensivo? Não?
Tanto pior…
Ora, assim sendo e passado este primeiro foco inicial de perturbação, desafio-vos a algo que pode dar que fazer. Num papel, numa agenda, nas notas do telemóvel, em folhas de papel higiénico, onde quiserem, onde vos der mais jeito, prazer, adiante… escrevam um e um só objectivo de cariz social para 2015 que não tenha sido alcançado em 2014, mesmo que a ele se tenham proposto. Vá lá, não custa nada. Sim, já percebi que não estou a ser muito específico e que ando para aqui em circunlóquios apatetados, que acabam por vos levar a nenhum lado (bem diferente de não levar a lado nenhum), sem que pelo caminho consigam perceber a natureza de toda esta retórica. Então, vamos por partes:
1º – O Natal tem uma capacidade que não se encontra em mais nenhuma outra época festiva do ano, que é a capacidade de agregação;
2º – Toda esta quadra embrulha o ser humano, regra geral (porque há sempre a excepção que confirma a regra), num papel suave e sedoso que o torna mais macio, mais doce, mais atento, mais carinhoso, mais amigo, mais familiar, mais bondoso e generoso, mais tudo;
3º – É a época da COMPAIXÃO por excelência, por inerência. E é mesmo por aqui que vou. Vamos? Então vá…
Atrevo-me a fazer-vos mais uma pergunta. Desta vez prometo ser menos invasivo. Ora então, aquilo que vos quero perguntar é então o seguinte: Qual o primeiro significado que vos ocorre, quando ouvem, ou simplesmente pensam na palavra compaixão? (Tenham calma! Um de cada vez e ponham o dedo no ar)
Para não fugir ao habitual, tive de responder à minha própria pergunta. Se orgulhosa e desavergonhadamente falo sozinho, não será de todo inusitado que coloque perguntas e lhes responda de seguida. Faz parte do manual de sobrevivência de qualquer tipo minimamente “avariado”. Para mim foi assim bastante fácil. Pena, isso mesmo, foi precisamente essa a palavra que quase de imediato começou a saltitar aos gritos na mente. Nem mais, nem menos. De facto, quando comecei a aperceber-me das respostas que me davam alguns dos amigos a quem fiz a mesmíssima pergunta, vi que estas eram bastante diferentes da minha Pena.
Três pessoas usaram a palavra Amor como primeiro e imediato sinónimo para compaixão. Outras três disseram, Perdão. Duas apontaram para Solidariedade e outras tantas para Simpatia. E seguiram-se respostas tão distintas como Caridade, Empatia, Entrega, Carinho, Dor, Piedade, Indiferença, Crescimento, Maturidade, Outro, Dedicação, Respeito, Entreajuda e Amizade. Ninguém pensou instintivamente em Pena. Enfim… é pena. Esperei para ver se aparecia algum amigo, ou amiga a referir a mesma palavra, mas nada, zero. De facto é pena, porque tenho pena de não poder perguntar a essa pessoa: Pena? Porquê Pena?
Porque a minha resposta é tão simples e falível quanto isto: Compaixão parece ser hoje mais do que o substantivo que atabalhoadamente a enjaula. Começa por ser uma palavra que parece poder ser apenas explicada através de exemplos que apontam sempre para acções para com uma pessoa, ou um grupo de pessoas. Acções palpáveis, visíveis.
Logo por aqui se vê e mede a complexidade da palavra que estamos a tentar humildemente analisar.
Na verdade, não poucas vezes nos deparamos com palavras que são bem maiores do que o redutor número de letras que as compõem. Compaixão é uma dessas palavras justificadamente grandiosas, tão grandes que são capazes de provocar nas pessoas uma confusão enorme quando lhes perguntamos directamente o que é, ou pior, quando as entalamos entre a conhecida e maquiavélica representação metafórica da espada e da parede e lhes pedimos que nos digam um sinónimo de forma quase instintiva para a palavra em questão.
Não. Não sou ou tenho a pretensão de ser sábio, ou qualquer coisa que o valha e, volto a sublinhar, que não estou nem vou julgar a opinião de ninguém, porque, na verdade, o conceito sobre o qual estou para aqui a dissertar correndo o sério risco de vos maçar é, de facto, um conceito que só existe debaixo do pressuposto social em que estamos irremediavelmente inseridos. É absolutamente imperativo e simultaneamente fantástico que assim seja.
É notável que possa pedir ajuda aos meus amigos para conseguir terminar este texto e que os mesmos se prontifiquem, via Facebook (esse “monstro” que alegadamente “desvirtua” as relações sociais), a responder-me de imediato, para me manifestarem o que pensam e entendem por compaixão, tendo eles próprios, talvez até de forma inconsciente, dado uma demonstração cabal do que pode ser a compaixão entre os homens. Expuseram-se para ajudar um amigo. Fazem-no quando e porque querem. Natal é quando o homem o quê? Pois…
Por isso, Pena, Martim Mariano, Pena não é de todo o único e mais acertado sinónimo para a palavra Compaixão, mas é um dos muitos possíveis, porquê? Porque a Pena é um dos variados sentimentos que saltitam por nós dentro e nos levam a assumir publicamente a necessidade de ajudar, de apoiar, de reparar, de contribuir e de auxiliar aqueles de quem efectivamente acabamos por ter pena, por ter dó, piedade, pena dos e pelos Outros. Damos sinais fortes de uma maturidade e consciência que nos permitem concluir facilmente que só podemos existir porque existem os outros, que, de uma forma ou de outra, são também responsáveis pela dinâmica daquilo que é a sociedade em que vivemos. Daquilo que foi e daquilo que há-de ser. É verdade que se trata de uma palavra cheia, que se quer conceito, que se sente no peito, que nos obriga a cortar tantas vezes a eito, a sacudir as bases do que temos como certo e errado.
Somos, nós os homens, seres verdadeiramente únicos neste planeta. Somos, nós os homens a “nata” da própria vida. E porquê? Essencialmente, porque temos, regra geral (cá está ela novamente, a malandra), a capacidade que nos distingue dos demais habitantes da bola azul, a superior faculdade do pensamento. Esse Ás de trunfo é o responsável por todos os restantes recursos dos quais nos servimos diária e consecutivamente.
Infelizmente, aos pérfidos e nefastos efeitos do poder sobre os homens, estes acrescentaram o dinheiro e a ganância à equação e olha que duas para tocar a concertina, logo elas que tão amigas são da soberba e do sobranceirismo, que se uniram, então, para transformar as vidas de uns em paraísos e de outros em misérias. E tem de se reconhecer à maldade a persistência e a capacidade de trabalho.
Para terminar, não me vou despedir com votos e profecias de fim de ano, nem com desejos bacocos e vazios dirigidos a pessoas que possivelmente nunca vi e que com toda a certeza passarão bem sem os meus desejos seja lá do que for. Vou antes deixar-vos mais uma pergunta, pode ser? (esta não conta, claro está)
O que pesa mais no peito: aquilo que está por fazer, ou tudo aquilo que já foi feito?
Desculpem-me, mas a esta não sei eu responder.