– Porque choras?
– Disse-lhe que gostava de cócegas, muitas cócegas. De fazer cócegas, de receber cócegas, de as ver por aí espalhadas nos corpos dos outros.
– Enquanto tortura de nobreza, por ser uma prática ausente de marcas e de rápida recuperação, tal qual na China antiga?
– Que dizes? Jamais! Enquanto prazer… – chorava, compulsivamente.
– A subjetividade. Evidentemente – respondeu-lhe, calmamente.
– Excitam-me – gritou-lhe – Agora diz-me, diz-me! Diz-me o que é correto?
– Poderia dizer-te se eu o soubesse. Aliás, existirá disso?
– Mas eu gosto, excessivamente, de cócegas! Excessivamente ao ponto de só as querer a elas! Não entendes?
– Entendo. Haverás de te cruzar com um Knismolagníaco apropriado aos teus gostos.
– De que raio estás a falar?
– De um masoquista de cócegas.
– Existe disso?!
– Alguém com impulsos sexuais intensos envolvendo cócegas? Evidente. Achamos quase sempre que, entre tantos, estamos sós, não é? Atenta ao que te direi: não existe uma maneira correta de viver a experiência sexual. Tudo são experiências individuais envoltas em realidades muito próprias. A subjetividade não permite formular o correto. Quem to diga, incorre num erro abismal que reflete a própria gaiola interna.
– Então, diz-me, como se vive num mundo com tantas realidades subjetivas sem que diariamente nos ataquemos, mesmo que inconscientemente, com nossa própria subjetividade? Cada um de nós traz uma delas. Estaremos condenados a uma mágoa comum? O que se faz com isto?
– Predispomo-nos a aprender o que nos falta: comunicar. E antes disto, a conhecermo-nos. A partir daqui, saberemos falar abertamente sobre o que nos acalenta e sobre o que nos incomoda. Tudo isto devemos embrulhar com o respeito pela subjetividade, não a querendo anular nem a querendo impor.
– Crês que eu tenho um problema?
– Só o terás se quiseres impor a tua vivência sexual a quem a negue. O prazeroso e a tortura podem estar na mesma palavra… como vês.
– E os outros, terão um problema?
– Se não entenderem que o mundo é uma panóplia de possibilidades e te humilharem pela tua subjetividade, sim.
– O caminho será sempre o respeito pela subjetividade do outro?
– Que o nosso prazer nunca se torne em tortura para outrem, à parte disso, exista liberdade para se ser.