Há livros bons e livros maus? É certo que não. Podemos é afirmar, com toda a certeza, de que há escritores bons e escritores maus, de que há leitores bons e leitores maus, que existem boas e más intenções, mas os livros não têm culpa. Já escrevia Lucas, num dos livros mais antigos do mundo: “Pai, perdoa-lhes, que eles não sabem o que fazem.” E a verdade é que muitos, efetivamente, não sabem. Agora, ilibem lá os livros desse tipo de acusações, porque o crime não mora neles, mas na sua ausência.
Quando me refiro à ausência deles, refiro-me também à falta daqueles que outrora eram usados como apoio ao conhecimento, usados agora apenas como formas de obtenção de um maior número em pautas e não em formulação de opinião, pensamento, conclusão, lógica e conteúdo. Enquanto continuarmos a olhar para livros, somente olhar, sem os vermos, o suco espremido nunca será benéfico para quem o bebe, pelo contrário, há desperdício de matéria e do ser. É preciso compreender e agradecer aos livros que nos impõem desde cedo, porque são esses mesmos livros que nos levam a ser mais, a estarmos preparados para mais, porque são esses mesmos livros que nos dão a vida, como de melhor ela deve ser vivida.
A negação, a indiferença perante estes seres inanimados que têm mais vida neles do que qualquer ser humano, alimentam um dos maiores perigos da humanidade: a ignorância e, quando a ignorância prevalece, os conteúdos dos mesmos podem tornar-se perigosos e, ainda assim, ressalvo que esta surge pela ausência destes e não pelo seu consumo, até porque acredito piamente, que alguém que lesse, ouvisse, assimilasse, pensasse, saberia exatamente o que fazer com o conteúdo lido, fosse ele qual fosse.
Com toda a certeza afirmo, que pior do que qualquer livro, é aquele que a seu preceito, afasta o livro do leitor. É incrível como, na história dos “livros vis”, há sempre alguém que assim o considera, assim o conota, de forma pessoal. É incrível como, na história dos “livros vis”, há sempre alguém que define que para os outros, que não são como ele, o livro que não é bom para ele, não é igualmente bom para os outros. Conveniente, não é?
Bem, ainda me arrepio todos os dias, quando imagino, sonho, a indignação social aquando a proibição de certos livros, como se indignam quando se usa batom vermelho em prol de uma causa tão “desnecessária e inventada” quanto o machismo em pleno séc. XXI. Eles gritam “rebanho” e eu, perplexa, deito as mãos à cabeça, desesperada e quase cito um dos mais emblemáticos programas televisivos apresentados por José Figueiras “Ai, os…” livros ou falta deles.
Quando se esconde um livro, escondem-se histórias, ideologias, conhecimentos. Escondem-se vidas, escolhas, sonhos, revelações. Quando se esconde um livro perdem-se vozes, aprendizagens, individualidade, empatia, compreensão, visão, sentido… e não, não foi por ler Mein Kampf que me tornei nazi, pelo contrário, sei agora (e na verdade já sabia e, isso sim, podem considerar culpados outros livros), que é exatamente aquilo que nunca quererei para a minha vida e dos meus. Não foi por ler o Desassossego que me desassosseguei, pelo contrário, apaixonei-me, compreendi-me e libertei-me. Se continuasse com toda uma lista não sairia daqui e tenho perfeita noção de que ainda nada li.
Libertem lá os livros e libertem-se a vocês mesmos. Já dizia, Jean Paul Sartre, em Entre quatro paredes, que “o inferno são as pessoas.” Assim sendo, apaguem as chamas, recolham os dedos, abram as algemas e ilibem os livros, porque neles não está a culpa.