Já Galileo Galilei afirmava, “nós nunca podemos ensinar ninguém. Podemos apenas ajuda-los a descobrir, por eles próprios”. Nessa mesma filosofia de pensamento, comecei a reflectir nos motivos que me levaram a desejar tanto votar, quando finalmente tivesse 18 anos.
Definitivamente, foi por esta tão importante etapa da minha vida significar que sou adulta. Todavia, apesar de me terem tentado ensinar isso, toda a minha vida, só, recentemente, descobri que ser adulto e poder votar são conceitos e actos muito diferentes. Senão, que outra razão poderia explicar o fenómeno de abstenção ao voto?
Em Portugal, para as eleições no Parlamento Europeu, em 2014, registaram-se níveis de abstenção que rondaram os 66.2%. Desta percentagem, destaque-se o nível de população, habitantes da Região Autónoma dos Açores, que não votou. Sendo que, segundo os dados fornecidos pelo INE, também no Continente os valores assumem proporções alarmantes. Assim, no que toca à escolha democrática, a abstenção eleitoral ronda os 64.9%. Contudo, nesse mesmo ano, só 25.7% da população tinha idade inferior a 24 anos, não sendo, por isso, na sua maioria, capaz de votar. Onde andam, então, os adultos?
A abstenção eleitoral, no nosso país, mostra-se como uma realidade cada vez mais premente e alarmante. Porque tantos se recusam a exercer o seu dever – ou será, direito? – eleitoral?
Desde o artigo 1º ao art.3º, a Constituição da República Portuguesa, mesmo após excessivas revisões, elenca, como base da soberania, a vontade do povo. O Zé Povinho tem poder. O Zé Povinho tem influência nos seus governantes. Como? Segundo o especifico art.10º(1), “o povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição”.
A lei máxima, fundamental, e a quem todos devem obediência em Portugal (segundo o principio do primado da lei, atendendo à hierarquia superior) capacita-nos – a nós, aos eleitores, ao povo da nação, que pretendemos ver evoluir, melhorar e construir – de conduzir o leme. Então, porque existem pessoas que recusam ser o capitão da nau, que é Portugal?
A ideia principal, que parece ser o sustento dos “abstencionistas” – não tendo em conta, uma posição anarquista – passa pela frustração e exasperação perante os candidatos partidários, que lhes são apresentados. Ora não são dignos do seu voto, ora não são conhecidos seus. Por falta de informação, de interesse ou de ideias, os eleitores que se abstêm parecem ser confrontados com a difícil tomada de decisão, em que as opções, ilusoriamente, vão de mal a pior.
Para desconstruir esse mesmo argumento apenas precisamos de reflectir um pouco.
Não precisamos de atender às teorias desenvolvidas por Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) acerca do contrato social, para visualizarmos o motivo fundador do Estado. Nós precisamos de um Estado – governo e outras entidades, dotadas de autoridade pública – para que haja uma verdadeira justiça social, segurança, distribuição igualitária de rendimentos e, nada menos do que, paz social.
Tudo isto parecem ser valores corrompidos, cada vez que abrimos um jornal, porém, um pensamento mais demorado e recorrendo um pouco à nossa imaginação será bem capaz de nos assombrar cada vez que visualizamos, na nossa mente, um país sem governantes.
Seria o caos. A miséria abundaria. Seriamos selvagens, sem entendimento, ou conciliação. Olho por olho. Dente por dente. A lei de Talião. Aplicada sem qualquer juiz, medidor de consequências, ou de justiça. Seria o fim de Portugal e o início da República das bananas, mas em versão “salve-se quem puder e livre-se quem souber”!
As opções, no sufrágio directo e democrático, são más? Imagine o quão mau seria, se não existissem opções. Já ruge o velho ditado, com a sua voz sabedora, “mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar”.
Portanto, o Estado, por mais redundante que pareça, é feito por nós e para nós. Partidos que não inspiram confiança? Então que haja uma maior fiscalização, educação nas escolas e absorção de valores. Ensine o seu filho a ser justo, correcto e assertivo. Quem sabe ele não será o próximo primeiro-ministro?
Por outro lado, os abstencionistas discorrem sobre a impossibilidade de mudar, peremptóriamente, o nosso país.
Olhem à vossa volta. De certeza que já viram, alguém bebé, em qualquer fase da vossa vida, a aprender a andar. Primeiro arrasta-se, gatinha e tenta colocar-se de pé. Vai ganhando destreza e coragem, até que dá os primeiros passos. Cai. Volta a tentar, mesmo com o joelho magoado. Pratica. Pratica mais um pouco. E anda. Portugal será sempre o bebé, das pessoas que o habitam. Será a fonte de inspiração, baseando-se em antepassados e a promessa de novos sonhos, a cada criança, que aqui cresce. Estará cansado, de joelho magoado e orgulho ferido, mas pode sempre levantar-se. Recuperar fôlego, acender a chama da paixão, até que passe de um mero sentimento a algo que se vê. Portugal pode erguer-se. Rejuvenescer. Afinal, depois de bater no fundo do poço, o caminho é sempre a subir.
A abstenção é uma fragilidade. Demência não do país, mas do povo, que se recusa a lutar. Os braços estão cansados das manifestações. As vozes, essas, já estão roucas dos protestos. Os olhos, outrora iluminados pela esperança, agora choram perante o seu fado. Temos alma, mas falta-nos o corpo.
A chave? Uma recusa à fadiga. Uma união que sustenta. A proactividade, que aquece a cabeça e derrete o coração. Portugal não é abstenção. Portugal é mais que rendição e outras politiquices. Portugal é força, esperança e sacrifício. Portugal é o nosso país!
Onde está a força que Camões exulta, no 1º canto, em Os Lusíadas, do povo português? Não toma ele conta das velas, enfrenta o Mostrengo, descobre novos mundos e destrói as suas inseguranças? Falta-nos D. Sebastião e a promessa do Quinto Império, ou faltar-nos-á a garra, coragem, audácia e força dos primeiros e ilustres descobridores? Enfrentamos mares, marés, ninfas e deuses. Destruímos os nossos inimigos, conquistamos terras, fortalecemos alianças. Demos à luz escritores, arquitectos, futebolistas, estilistas e toda uma panóplia de profissionais qualificados, exemplares e mundialmente reconhecidos.
Continuamos a conquistar o mundo, através da nossa gente, dos nossos costumes e do nosso apetite pela vitória. No entanto, falta-nos a autoconfiança, para sermos independentes de uma Europa desgastada. Precisamos de tomar o leme do nosso próprio país. Virar as costas, abster-nos e, meramente, contrariar são atitudes de miúdos embirrados. Dizem que a depressão é a doença do séc. XXI e que se pode curar com força de vontade do paciente. Portugal está doente. Quer ser o tratamento ou, apenas, mais um paciente?