A sublime transformação alquímica do Anticristo

Qualquer Psicólogo Analítico (como eu) vai perceber a imensa transformação e estudo presente no mais recente trabalho do Americano Brian Warner, mais conhecido como Marilyn Manson. No entanto, comecemos pela música.

“We Are Chaos” é o 11.º trabalho deste projecto, foi lançado a 11 de Setembro deste ano e é a continuação do álbum de 2017 “Heave Upside Down”. Não é um álbum consensual. Não provoca paixões instantâneas, mas revela uma extrema maturidade a surgir na continuidade da linha Antichrist Superstar. É um álbum cheio de referências e influências sonoras e líricas. Encontramos alusões ao trabalho de Leonard Cohen bem como um instrumental que nos remete para Bowie ou Depeche Mode. Manson nunca escondeu que Bowie foi a sua grande inspiração. Segundo o cantor em entrevista para a Rolling Stone, “David Bowie mudou a minha vida para sempre. Cada música que Bowie escreveu foi um sedativo e um excitante. Uma carta de amor que eu nunca conseguiria ter escrito.

O Jogo de Espelhos

Manson nunca escreveu de ânimo leve. Todos os seus temas são profundamente críticos do ponto de vista sócio-político e revelam uma reflexão sobre padrões, traumas, projecções e mundo interno. “We Are Chaos” sobe essa fasquia e revela o lado B (Inconsciente) do músico.

Segundo o próprio cantautor, «há muitos quartos, armários, cofres e gavetas. Na tua alma ou no teu museu de memórias, o pior são sempre os espelhos. Fragmentos e memórias de fantasmas assombravam-me enquanto escrevia estas letras».

A maior parte das letras deste álbum remetem para o processo de análise e reflexão pessoal, a cura ou a não existência de uma e as consequentes transformações.

O Rei Abelha

O cantor começa este álbum com uma narrativa num misto de comédia e bizarria em que se designa como sendo o Rei Abelha, que irá cobrir o Mundo com mel para que todos se devorem uns aos outros.

O trabalho arranca com a “Red Black and Blue“, uma música forte na linha mais antiga de Manson e que já deixava saudades junto dos seus fãs. Segue-se o single “We Are Chaos” em que Manson integra a sua Sombra (Junguianamente falando), mostrando que todos nós temos uma polaridade doente e caótica, danificada e que isso é parte integrante de todos nós.

Posteriormente temos um grande tema “Don’t Chase the Dead“. Não persigas os mortos ou eles acabarão por te perseguir é a ideia central desta música.

Solve et Coagula

Não é apenas um tema do álbum, mas uma das máximas da transformação alquímica. Não sei se Manson andou a ler os antigos alquimistas medievais com os seus tratados como o Rosarium Philosophorum ou se andou a estudar o Psicólogo Analítico Carl Jung.

De qualquer forma, Solve et Coagula remete para a dissolução que conduz à unificação. Na Alquimia é preciso desintegrar primeiro para depois reunir. Dissolve e Coagula é o princípio. E esta grelha pode ser aplicada à Psique. Também para fazermos a nossa transformação interna precisamos dissolver partes de nós, para que possamos reunir-nos como seres integrados. Diz-nos Marilyn Manson que «ao fazer este disco, tive que pensar para mim mesmo: ‘Domina a tua loucura, remenda o teu fato. Tenta fingir que não és um animal’, mesmo sabendo que a humanidade é o pior animal de todos. Praticar misericórdia é como fazer um assassinato. As lágrimas são o maior produto de exportação do corpo humano».

Marilyn Manson desde sempre revelou as suas tendências Alquímicas. O símbolo de Mercúrio foi, desde cedo, usado nos seus trabalhos (Mercúrio remonta para a transformação máxima na Alquimia, as águas mercuriais são a base da transmutação), toda a sua imagem e estética gritavam Androginia. O álbum “Mechanical Animals” era disso prova: um ser andrógino meio homem, meio mulher que nos relembra o Rebis – a união perfeita entre os opostos e polaridades, na Alquimia Medieval e na Alquimia da Mente.

Marilyn Manson é controverso e agressivo como a crueza do nosso instinto animal, mas doce e cândido como essa mesma Natureza. É uma integração de dicotomias. Gera fãs e haters. Ou se odeia ou se ama sem nunca se perder de vista a genialidade. Quer se goste ou não, Manson é um dos melhores liricistas do nosso tempo e o seu próprio trabalho interno e pessoal fazem o que toda a arte deve fazer: conduzir-nos à nossa própria viagem interior. “We Are Chaos” é um brilhante exemplo disso.

Tatiana Santos, Psicóloga Analítica

tatiana.santos@iaap.pt

https://www.facebook.com/apsicologajunguiana.tatianasantos

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