– Oh, Lurdes… conte-nos cá o que acha desta coisa do… vamos lá ver como digo isto… tira e põe! – Augusta encolheu os ombros, pendeu a cabeça para o lado direito e franziu a testa. Faz disto o desconforto causado pelas amarras linguísticas de temas interditos a liberdade.
– Dona Augusta, Dona Augusta… ainda anda no estudo do sexo?
– Que susto, João Miguel! Tu não me arrelies!
– Não me diga que não contava com a minha presença à janela neste que deve ser o prédio mais bem-falante da zona. Logo na conversa mais interessante de todas.
– Se não vens ajudar aos estudos, recolhe-te já! – disse Felismina de olhos arregalados para que se entenda a importância da ocasião.
– Não sejas pervertido que é isto tema sério, João Miguel! – acrescenta Augusta.
– O sexo, os pervertidos e as perversões… Não tinha dado todos estes dias de clausura para sobre isto falarmos, senhoras Donas e caro jovem – constatou Lurdes.
– Que o Senhor nos perdoe os dizeres libidinosos de agora e os caminhos lascivos de uns e de outros – Augusta fitou João Miguel e Lurdes.
– Agora que se deu o desconfinamento, tudo o que são catos nos parecem gerberas, ainda eu a convido para jantar Dona Augusta. O magret de pato pareceu-me bem!
Lurdes não aguentou a gargalhada. Felismina reprimiu-a, mas os seus fartos peitos em consecutivos pulos deram conta do riso que por dentro ia. Augusta petrificada encarnava um tomate chucha. Lurdes apressou-se a retomar a ordem:
– Fantasmas. São fantasmas os conceitos de perversões e pervertidos. Não há um rumo universal na sexualidade humana, ainda que o nosso imaginário de crenças o tenha construído. Vamos lá deitar umas pitadas de niilismo nesta análise da sexualidade.
– Que ingrediente é esse, Lurdes? – inquietou-se Augusta, cozinheira de mão cheia, que não conhecia disto.
– Para aquilo que aqui nos importa, é uma corrente filosófica que rejeita verdades absolutas. Somos todos imorais presos num imaginário de moralidade. Somos todos pervertidos, não duvide, Dona Augusta.
– Tome conta com o que diz, Lurdes! Esta agora, que despautério. Acaba-se já o estudo!
– Ai, os tomates! Não seja assim, Dona Augusta, meu belo “cato gerbera”.
– Uma ideia erótica não passa a ser repugnante ou imoral apenas porque as Donas Augustas do bairro não a pensaram.
– Olha, isto é que foi bem-dito! – Felismina libertou-se, afirmou-se, sacudiu-se das amarras.
– Mina!!! Tem vergonha! – repreendeu Augusta – Também… do que me espanto! Não me posso agora esquecer que aquela bibliografia escandalosa é teu pertence.
– Até já te deu a curiosidade sobre os dizeres da bibliografia, as ideias modernistas da Lurdes, sobre o sexting e a internet do João Miguel. Vai-se a ver e é essa curiosidade uma perversão.
– Dona Augusta, agora que nos desconfinamos, vamos às ameixadas. Se me achar cachopo ajudo-a a encontrar a parelha ideal.
– Tem de ter os pés bonitos. Que se há coisa que eu gosto desde moça é de pés aprumados.
Gargalharam agora em conjunto. Há pouca coisa de melhor que conversas inquietantes.