A dança macabra de Orlando

Uma noite de diversão resultou na morte de 49 pessoas inocentes e 53 feridas com gravidade. Foi uma autêntica chacina, um acto de violência extrema fundamentado numa religião e num princípio defendido por ela. Eram todos muito jovens, com vidas pela frente e estavam simplesmente a divertir-se, como é natural e legítimo. Tudo se passou numa discoteca, local onde as pessoas se juntam para conviver, para dançar, para se libertarem, para descontraírem. O facto de ser gay ou deixar de ser é absolutamente irrelevante. É um local de diversão onde estão vários tipos de pessoas. Que diferença faz ser lésbica ou homossexual? Não são pessoas na mesma? Não têm coração e sangue como as outras? As pessoas são todas diferentes e é essa característica que lhes permite os vários tipos de relacionamento.

Um homem jovem, fanatizado pela religião, por um dogma estabelecido, a homossexualidade deve ser banida, entra com uma arma de fogo e dispara aleatoriamente. A sua intenção era o extermínio. Segundo se diz, dois dias antes tinha visto dois homens a beijarem-se e ficou chocado. Talvez nunca ninguém o tenha beijado com tal amor, com tanta verdade e intensidade, como viu. Chocado? Por amor? Mas por violência e morte não faz diferença, pois não? Matar é um bom princípio, nesta óptica fundamentalista. Morrem 49 pessoas. Estas vidas ficam ceifadas, sem motivo, a não ser uma ideia estabelecida numa cabeça doente. Era um americano, já tinha nascido nos Estados Unidos, terra das oportunidades, das diferenças, do melting pot, da junção das culturas, do mosaico cultural. Outras 53 ficam feridas e, as que sobreviverem, terão uma história terrível para contar, para nunca deixar de recordar.

É difícil não fazer juízos de valor. As autoridades foram forçadas a abater o homem, em prol dos outros elementos que estavam presentes, das suas preciosas vidas. Com que direito alguém pode tirar a vida de outrem? Só porque está mal resolvido? Não acredito que a motivação fosse religiosa, foi pessoal, fruto duma vida falsa e desequilibrada. Parece-me que ainda há aqui mais uma outra mistura explosiva: a xenofobia. Grande parte dos falecidos era de ascendência latina, o que é normal em Orlando. Pode ser só uma suposição, uma mera especulação, mas é um facto que foram dizimados. E tudo em nome de uma entidade, de algo que o carrasco tinha como certo, uma fé que o cegou completamente e o levou a carregar no gatilho. A mão foi dele, o dedo pertencia à mão, mas o pensamento foi de quem lhe incutiu o sentimento de ódio, de discriminação, de falta de humanidade. Terão os seus pais sido económicos nos cuidados de carinho e de amor? Que diferença faz ser lésbica ou deixar de ser? As pessoas assumidas e bem resolvidas não incomodam os outros, limitam-se a viver a sua própria vida e seguem em frente. Mulheres que se sentem atraídas por mulheres? Sim e depois? Não me incomodo. Desejo-lhes as maiores felicidades. Conhecem os corpos, sabem como funciona, resulta na perfeição. Ser um homossexual, um gay, um homem que se relaciona sexualmente com outro, então é algo do mais privado, assunto que só diz respeito a eles, tal como a qualquer casal, seja ele hetero ou homo. Caso encerrado. Todos são aglomerados de tecidos, conjuntos de órgãos, sistemas que se completam e formam um todo, um ser humano, com sentimentos, com desejos e com ideias bem definidas.

Um beijo é nojento? Dar a mão é provocador? Mas que mentalidade é esta que condena um sentimento tão puro e belo como o amor? Terão estas pessoas nascido de que tipo de seres? Como é que foram educadas e instruídas? É assustador. Todos são filhos de alguém, irmãos, primos, amigos, conhecidos, vizinhos, relações que se estabelecem, de sangue ou não. A liberdade de escolha é fundamental e as opções dizem respeito a cada um. É necessário compreender que as situações mudam, que as sociedades evoluem, que os tempos se alteram. Uma arma está disponível em qualquer local, não devia. Qualquer um a pode usar, indiscriminadamente, não é correcto nem adequado. Que mundo estranho que permite que a violência se sobreponha à poesia, ao relacionamento entre pessoas, ao amor. Não são as religiões que apregoam o amor ao próximo? Não deve ser sinónimo de matança, de violência gratuita, de fundamentalismo.

Um filho é um prolongamento dum pai, duma mãe e deve ter direito a viver como entender, como escolheu. Vai deixar de ser filho de alguém só porque não segue a mesma orientação sexual? Talvez seja mais livre e mais corajoso do que os pais e consiga ultrapassar preconceitos e ideias estabelecidas. Enquanto continuarmos a pensar inside the box não vamos a lado nenhum, estagnamos, atrofiamos. Se nos opusermos a casamentos de pessoas do mesmo sexo, estamos a contribuir para o ódio, se formos contra a adopção de crianças pelos mesmos, estamos a deitar mais uma acha nesta fogueira de homofobia, se não tivermos a capacidade de aceitar a mudança e a evolução, o ritmo normal de uma sociedade, então somos culpados e cúmplices destes crimes contra a humanidade.

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