Entre nós é vulgar a afirmação que a política não interessa nada. Não raramente, ouvimos “Quero lá saber! Os políticos são todos iguais.” Alguns até já decidiram que não votam. Os políticos, por sua vez, enaltecem e apropriam-se, a seu bel-prazer, do conceito de povo, o qual, dizem, é sempre sábio quando chamado ao ato eleitoral. Seja qual for o seu sentido de voto ou a percentagem de abstenção.
A política que “nada interessa” governa a vida na sua qualidade ou falta dela, mas também a morte quando acontece por decisão do indivíduo. Falamos concretamente da eutanásia. Este conceito tem movido amplas opiniões e feito correr tinta em discursos sempre polémicos.
De facto, é uma questão que não deixa ninguém indiferente, uma vez que mexe com a faceta emocional, ética e moral do ser humano. Esse grande mistério da vida que é a morte inquieta-nos, naturalmente. Enquanto a saúde nos abençoa, não faz muito sentido pensar em algo que, pensamos, estar longe ou que desejamos que chegue o mais tarde possível.
Ao longo da linha da vida, tudo pode acontecer, desde a doença grave e irreversível aos acidentes que a esvaziam e aniquilam a dignidade. Em casos extremos deseja-se o fim. É aqui que surge o dilema: morrer ou viver em sofrimento até que os órgãos vitais parem? O conceito de morte medicamente assistida, por decisão da própria pessoa, ou seja, a eutanásia levanta imensas questões que não foram devidamente debatidas em Portugal. Cada um tem a sua opinião e acabamos por assistir a tomadas de posição diversas: informadas e ponderadas a favor e contra; igualmente as mais radicais e até as populistas emolduradas no slogan “não matem os velhinhos” vazio de conteúdo sério sobre um assunto tão delicado que envolve a vida humana.
Após o debate, seja ele o que tiver sido, foi publicada a Lei n.º 22/2023 de 25 de maio que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal. Contudo, o governo liderado por António Costa deixou a regulamentação da lei para o executivo seguinte, uma vez que se aproximavam as eleições legislativas de 10 de março de 2024. O então Ministério da Saúde afirmou, a 24 de novembro de 2023, que “o processo de regulamentação da lei está em desenvolvimento e será parte integrante do dossier de transição”.
A polémica voltou à ordem da atualidade com a divulgação do Manifesto pela revogação da lei da eutanásia em Portugal, a qual se encontra em processo de recolha de assinaturas. Este conta a subscrição de personalidades oriundas de diversas vertentes políticas, como Rita Matias e Bernardo Pessanha, deputados do Chega; o antigo líder do CDS-PP, Manuel Monteiro; o ex-ministro Rui Gomes Silva e o antigo líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal do Porto, Miguel Côrte-Real. Também assinaram este manifesto, o médico Manuel Pinto Coelho e o constitucionalista Paulo Otero, um dos coordenadores do livro Identidade e Família, publicado pela Oficina do Livro em março de 2024, apresentado pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
O documento referido visa dar responder ao manifesto de regulamentação recentemente divulgado. Conforme a informação do Diário de Notícias, nele encontra-se registada a sua principal linha ideológica traduzida na afirmação, “juntos podemos construir uma sociedade que preza a Vida acima de tudo”.
O Governo, em resposta ao Expresso há duas semanas, aguarda as conclusões do Tribunal Constitucional relativamente à constitucionalidade e à interpretação dos conceitos fundamentais da lei sobre a morte medicamente assistida. Refira-se, também, que o manifesto pela regulamentação da lei conta mais de 250 nomes, incluindo os ex-líderes do PSD Rui Rio e Francisco Pinto Balsemão e os liberais Rui Rocha e Cotrim Figueiredo.
É a vida e a morte; é o sofrimento e a dignidade; é a lei e a ética. É a política que “não interessa nada”.
Fontes:
– https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/22-2023-213498831
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico