“ O pão de agora não mata a fome de ontem, muito menos a de amanhã”
– In “As Intermitências da Morte” 2005 de José Saramago –
Tal como José Saramago que usa a temática do pão na sua tessitura narrativa em algumas obras, o pão como o analisamos hoje, é muito mais do que toda uma história das sociedades, tem o poder transformador de não ser apenas o resultado de uma simples operação de mistura de ingredientes como: farinha, água e fermento.
Pão, considerado alimento milenar assume papel de expressão cultural, de tendência que ultrapassa fronteiras.
Quando falamos em pão, não nos referimos apenas à sua função básica de saciar a fome de um povo, mas à sua simbologia de moldar histórias, tradições culturais e sociedades.
Nos últimos anos, passou a ser ciência, deixou de ser meramente um pão artesanal como o sempre vimos, para se aproximar de uma ciência mais exata na sua produção, pois engloba um estudo de fermentação, análise de temperatura, tempo de levedura para dar origem à sua textura única.
O padeiro já não é o artesão que sempre conhecemos de uma aldeia algures em Portugal mais rural, mas principalmente um alquimista que detém a arte de saber transformar ingredientes simples em algo complexo e, sobretudo, delicioso que sacia a fome de tantas pessoas.
O pão começou a ser tendência, representa um elo cultural de povos e de gerações.
As padarias artesanais têm surgido com grande expressão e o pão visto como a tal “tendência”, passou a ser associado a um estilo de vida mais saudável e baseado num ecossistema sustentável.
Comprar pão já não significa o ato de comprar, traduz-se sobretudo numa experiência de conexão entre o consumidor e a origem do produto.
O que o torna verdadeiramente especial não é a apenas a ciência da sua produção, mas sobretudo a identidade cultural que apresenta. Nas sociedades contemporâneas que conhecemos, o pão é muito mais do que um alimento, é um ato de partilha, de comunhão entre povos.
Como diria José Saramago numa das suas intervenções públicas: “O pão é quando nos lembramos de que há gente que tem fome.“
Na verdade, associamos dar o pão a quem tem fome ou passa necessidades, é o alimento mais básico e essencial para suprir as dificuldades e revela ser um ato de poder coletivo de partilha. O pão está sempre presente nas sociedades, seja em tempos de crise, seja em tempos de abundância.
O pão com toda a sua história, mantém a sua relevância com um novo significado, deixou de ser uma simples refeição, representa hoje, uma procura por autenticidade e raízes.
O homem está numa constante procura pelo equilíbrio entre o simples e sofisticado e, igualmente, entre o ancestral e o inovador.
A sua importância na mesa é um reflexo das nossas sociedades – ao moldarmos a massa com “lágrimas e suor” e até provação – estamos a conectarmos com um passado de raízes, com um trabalho manual que exige dedicação, paciência, humildade e tempo.
O pão resume a ideia de que, por vezes, é no essencial que encontramos muitas das vezes o extraordinário.
O homem sempre teve uma relação simbiótica com o pão, eu diria de pura interdependência: o homem cultiva o trigo, mói-o, transforma-o e em troca o pão alimenta-o, sustenta e nutre as suas necessidades nutricionais.
Esta ligação vai para além de uma necessidade física, tornando inclusivamente espiritual. Em algumas culturas, o pão é sinónimo de vida, de prosperidade. Sem pão, falta algo na alma da refeição. Os portugueses são muito adeptos do pão, consideram-no um elo entre culturas, famílias é o alimento de partilha nas refeições. Uma refeição sem pão em Portugal, não é uma refeição.
No meu caso, sou uma grande apreciadora de pão, sobretudo de pão escuro de centeio (se possível sem glúten) produzido de forma artesanal, cujo aroma e gosto crocante fazem-me relembrar os tempos de infância quando a minha avó Letinha preparava-me o lanche e dizia-me que o pão era caseiro, feito com “amor” para um dia de “sorrisos”. Estas palavras ficaram como memória de raízes no meu pensamento até hoje.
Este alimento gastronómico tem o poder de saciar a boca e a alma, seja em tempos de adversidades, seja em tempos de conquistas. É como um ciclo de vida, em que a massa precisa de ser batida para crescer e o homem precisa sempre de desafios para poder evoluir.
O pão de cada dia, não é apenas retirado do campo onde foi semeado, mas forjado nas mãos daqueles que nunca param de lutar pela sua mesa.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico