“Ser independente não significa ser indiferente à dor do outro. Não significa viver à parte do outro. Somos responsáveis, sim, pelo que fazemos, pelo que dizemos. Amadurecer, num sentido mais profundo, é perceber que somos parte integrante de uma sociedade, em que cada um deveria importar-se com os outros. Quando é que iremos parar de nos defender da dor, do medo, da ansiedade e esconder por detrás do lema “eu sou eu e o mundo que se lixe?”
As questões que se colocam são simples, já as respostas, essas serão mais complexas.
Se Aristóteles ainda por cá andasse, certamente poria em causa a sua famosa teoria “O homem é um animal social”, teoria essa que defende que o ser humano, como indivíduo, não só gosta, mas precisa de estar em sociedade para viver plenamente, e vai mais longe afirmando que o homem não pode ser feliz fora da sociedade (sozinho).
E por que razão seria a sua teoria posta em causa? Pelos comportamentos que a nossa espécie exibe cada vez mais frequentemente.
Senão vejamos: ser independente significa termos a capacidade nos auto-sustentar, isto é, ter a capacidade financeira para sobreviver com o nosso ordenado, sem depender da ajuda (financeira) de ninguém; ser independente significa ainda ternos a capacidade física para executar as tarefas básicas que envolvem cuidar de nós e da nossa casa, mais uma vez sem a ajuda de ninguém (se a tivermos, será porque queremos e/ou por dificuldade de gestão de tempo e não por outro tipo de necessidade).
Porém, a independência só vai até certo ponto, porque para sermos independentes financeiramente, muitos de nós dependemos de outrem, de uma entidade empregadora, que por sua vez poderá, ou não, depender de alguém dentro de uma hierarquia, e por aí adiante.
Ou seja, ser independentes não nos coloca numa posição fechada perante a sociedade. Aliás, e pelo contrário, todas as tarefas inerentes à nossa sobrevivência como ir às compras para nos provermos de alimentos, ir ao médico, ao dentista, ir trabalhar e até quando saímos para almoçar ou jantar fora, ou tão somente para conviver, tudo isto faz parte de uma rotina social onde nos expomos e estamos em contacto com outros seres sociais impedindo-nos de nos colocarmos à parte.
Mas viver em sociedade não é simples, implica não só ter direitos como também deveres.
O civismo, a educação, a entreajuda, a compreensão, a cedência, são características inerentes à vida em sociedade, pequenos grandes gestos que podem fazer a diferença. Porém e infelizmente, hoje em dia, quase ninguém os põe em prática.
Para muitos, viver em sociedade significa, “ter”, a todo o custo, para poder mostrar, exibir, usando a sociedade como público para a ostentação, mas sempre com os olhos postos no seu próprio umbigo, fechando os olhos para o que se passa à sua volta.
Será que essa indiferença provém de um mecanismo de defesa relativamente à dor?
Não nos damos mais com medo de sofrer?
Será que temos receio de ajudar e depois não sermos ajudados?
Ou será que nos refugiamos no nosso mundo, na nossa redoma, ignorando as necessidades e liberdades dos outros por puro egoísmo?
Infelizmente, penso que esta última hipótese será a mais plausível.
De há umas décadas a esta parte, temos assistido a uma degradação da sociedade precisamente pela falta dos valores que acima mencionei. Não há, para mal dos nossos pecados, uma data com a qual possamos contar e dizer daqui para a frente tudo irá melhorar.
Resta-nos ser pacientes, perseverantes, resilientes, ir tentando espalhar a empatia, quais pulverizadores mágicos, como remédio anti egoísmo e, acima de tudo, permanecer esperançosos no que respeita a uma mudança que, se não puder ser rápida, que seja, pelo menos, eficaz.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico
