Finalmente chegou o dia por que todos esperávamos, o dia em que o cinema comemora oficialmente os seus 120 anos de existência com a exibição pública do cinematógrafo dos irmãos Auguste e Louis Lumière, a 28 de dezembro de 1895, em Paris. O que mudou desde então? Que nova linguagem as imagens em movimento trouxeram à sociedade? O nosso espanto sob o ecrã continua o mesmo?
Desde a sua introdução, primeiro nos espectáculos de feiras, mais tarde em salas adequadas para a projeção, o cinema esteve bastante próximo àquilo enunciado por Slavoj Žižek – um dos inúmeros pensadores da sétima arte – de que “o cinema não te oferece aquilo que desejas, ele diz-te como desejar”. Ora, a sétima arte encontrou forma de contar (e recontar) acontecimentos históricos e projetar outros no espaço inimaginável, gerando sempre uma certa nostalgia no espetador, após o visionamento.

Os primeiros anos, ditos primórdios, expuseram a sua inocência um quanto despretensiosa, com os irmãos Lumière descrentes em relação à técnica que haviam criando. Mesmo assim esses anos seriam preponderantes para o estabelecimento dos géneros, porque do infantil cinema de atrações passamos, na viragem para o século XX, em muito titulado de período de transição, para imagens que anseiam ‘contar uma história’, garantida através da técnica da montagem (ilusão de ligar uma imagem à outra), base da cinematografia de George Méliès (na Europa) e de Edwin S. Porter (nos Estados Unidos da América). Diante do êxtase social, proliferaram as salas, cujo preço do bilhete era de apenas cinco cêntimos, longe dos quase sete euros que pagamos atualmente.

Com a Europa a não tentar destruir o seu passado, durante a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos da América levavam vantagem. Já criadas as primeiras indústrias em que o nome de Thomas Edison (sim, o génio das patentes) era o mais sonante, chegava a vez da superprodução e longas-metragens transporem um estilo mais tarde disseminado nos ‘filmes das nossas vidas’. Nos anos 20, aquele nome que de uma forma ou outra já ouviu falar – Hollywood (e os Óscares!!) – dava os primeiros passos, graças a muitos emigrantes provenientes da Europa. Pelo som, história aqui, estória acolá permitiria disseminar os géneros (musical, comédia, faroeste, policial, melodrama) ainda hoje presentes, mas não com a mesma eficácia junto ao público. Os anos 30, 40 e 50 são períodos de desenvolvimento desses géneros com destaque para filmes revolucionários como Citizen Kane (Orson Welles, 1941), ou Sunset Boulevard (Billy Wilder, 1950). Em simultâneo, os cineastas europeus, os “intelectuais”, chocavam o mundo com o neo-realismo (nos anos pós-segunda guerra mundial) e, em consequência, com o cinema moderno (Rossellini é pai deste domínio), repercutido na Nouvelle Vague de Jean-Luc Godard, por exemplo.
Porventura, a ânsia do digital seria o contra-ataque americano, isto “num pequeno passo para o homem, um grande salto para a Humanidade”. Era o nascimento da ficção cientifica espacial – 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), ou Star Wars (1977) – como também do mais profundo drama americano centrado em famílias disfuncionais, juventude rebelde e em escândalos políticos – Os Homens do Presidente (1976), Kramer vs. Kramer (1979), Over the Edge (1979).
A ousadia esteve em voga nos anos 80 e 90 com o maior naufrágio de todos os tempos, Titanic (1997), lembra-se? Seria a linguagem da catástrofe e do cinema de destruição a prevalecer ainda nos anos 2000 (como nos dias de hoje com exercícios baratos do género) pelo CGI (Computer Generated Image), mesmo assim parece que caminhamos no sentido de uma crise – a inevitável e paradoxal crise de um tempo que não volta atrás. O nosso espanto não pode ser o mesmo, porque entre computadores e novos media, a imagem pode em muito ser minimizada e está ao acesso de todos, pena que muitos espetadores se percam por esta viagem.
Entre sons e pixéis de bandas-sonoras e efeitos especiais, o cinema está intrinsecamente ligado à audição e à visão, mas mesmo que não consigamos tocar as imagens em movimento, vale sentir o arrepio na espinha, sentir a magia de se esvanecer para outro mundo, aquele entre tu e eu – cinema. Para nós espetadores, cidadãos comuns que apenas olham para a imagem, o cinema é na maioria visto com desdém em relação às ciências, mas não será a arte a melhor forma para compreender as tão complexas relações humanas? Isto não é uma crítica, é apenas uma forma de perceber que o cinema faz parte da sua vida e do facto de sermos humanos. Como o próprio Manoel de Oliveira dizia, “o cinema é o espelho da vida e não só é o espelho da vida como não há outro. O único espelho da vida é o cinema. Sendo o espelho da vida, é também a memória da vida”.
Que a arte continue assim, a interligar público, história, emoções e, entretanto, que nos sentemos numa sala de cinema (e não em casa com práticas mais ou menos proibidas) e embora isso já não aconteça, deixe a fita rolar.