Viver e não olhar para trás

O passado segreda-nos ao ouvido.

A lembrança do passado traz de volta o que vivemos. Por vezes, somos obrigados a viajar por essas memórias que são só nossas.

É impossível colocar tudo isso de parte. Não existe forma de separar o bom do mau, de arquivar a mágoa e alimentar o que ainda nos preenche o presente com a certeza de que é tudo isso que faz de nós quem somos.

O passado são essas pequenas peças soltas de algo com que sonhámos e que pensámos que poderia ser eterno. Uma realidade que a vida nos ensinou que não é possível, porque tudo na vida tem um prazo de validade. Isso faz com que, de cada vez que a saudade sopra um pouco mais forte consiga remexer no tempo, fazendo com que se soltem algumas dessas pedras que continuam a segurar a muralha que nos prende ao passado, trazendo de volta o que deveria estar esquecido.

Afinal nada do que vivemos se esquece, apenas fica longe do alcance dos olhos para que o coração não sofra demasiado. Esquecer é uma ilusão a que nos agarramos para não admitir que algo terminou de forma diferente daquela com que tínhamos sonhado. É essa a realidade que o passado nos vai relembrando ao longo da vida para que tenhamos sempre presente a certeza de que foi ele que nos moldou, dando forma ao que hoje somos.

Mas também, não poderemos ignorar que entre o que sonhámos e o que vivemos existe uma linha que nunca foi pisada, um livro que nunca foi escrito e uma flor que não colhemos. Nesse terreno de ninguém moram as nossas dúvidas e a fantasia que dá cor a tudo o que não vivemos. Nesse livro está escrito tudo o que poderíamos ter vivido e até as respostas para as perguntas que tivemos receio de fazer.

Tudo poderia ter sido diferente se não tivesse aparecido essa barreira que nos obrigou a viver de outra forma, longe de outras vidas que julgávamos nossas.

É quando a saudade bate na porta que procuramos pelas palavras que ficaram por dizer e ficamos à espera que elas preencham o vazio que ainda existe. Temos um número infinito de páginas por preencher, mas a vida obrigou-nos a fechar os olhos perante aquela realidade que deixou de nos pertencer. Talvez seja por isso que fechamos sempre os olhos quando queremos recordar o passado para termos a ilusão de que ele não está assim tão longe, não queremos aceitar que ele está fora do alcance dos nossos braços.

A verdade é que o passado está suficientemente longe, está num ponto totalmente inacessível. Ele não fala é a nossa alma que escuta o seu eco e os nossos sonhos seguem essa fantasia para não deitar fora tudo o que resta daqueles minutos mágicos em que vivemos a nossa história, aquela a que o mundo agora chama de passado.

No entanto, não devemos chorar pelo que passou. Não devemos lamentar o que perdemos. Não devemos condenar o outro que deixou de fazer parte da nossa vida. Afinal foi tudo o vivemos que nos tornou diferentes e nos ensinou a separar o odor da felicidade do cheiro da tristeza. Não podemos esquecer essa infinidade de páginas em branco que fazem com que a história ainda esteja incompleta. Nessa história o passado teve o seu tempo e agora temos uma nova estrada à nossa frente.

A vida é um emaranhado de histórias que nos obrigaram a crescer e a não ter medo do que o futuro nos reserva.

O passado desenhou-nos asas e agora temos de aprender a voar nesse céu que nos ensinou a sorrir e a enfrentar todos os desafios que a vida nos lançar. Por mais que nos perguntemos, por que razão tivemos de sofrer não teremos resposta da vida, para ela a solução passar por viver e não olhar para trás.

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