Uma curva inesperada e quase que cai para cima de uma senhora.
“Desculpe”, junta as sobrancelhas de modo preocupado, em jeito de desculpa.
A senhora abana a cabeça e fecha os olhos, como que dizendo que não fazia mal. Tem os lábios muito vermelhos e a cara branca do pó de arroz. É uma senhora de outros tempos. Usa um casaco de peles (possivelmente falso) e tem o cabelo branco fraquinho preso numa espécie de banana, ajudado por vários ganchos. Não sabe porquê, sente-se curioso com aquele senhora, e a vida humana parece-lhe toda indecifrável.
No chão, um laço da luta contra a SIDA acompanha um papel de chocolate Ferrero Rocher, entre os pés de um senhor que lê o jornal. Ele sente que aquele estranho quase paradoxo guarda uma mensagem, mas não consegue chegar lá. Ou hoje está incrivelmente lento, ou o Universo parece mandar-lhe mensagens muito misteriosas.
Uma música qualquer toca. Ele olha imediatamente. Um rapaz com cerca de dez anos com uma habilidade para tocar violino que lhe parece extraordinária. Se calhar não é nada de especial, mas naquele momento parece-lhe algo especial. Talvez porque não perceba nada de violino. Talvez porque não perceba nada de pessoas. Uma rapariga com um cabelo afro enorme, que se mexe acompanhando o seu corpo esbelto, levanta-se e oferece uma moeda ao rapaz. Parece um chupa-chupa, um corpo tão magro com um cabelo que parece o sol. Podia ser modelo, aquela rapariga. Outras senhoras observam o rapaz e sorriem, algumas até comentam elogios com a senhora de casaco de peles e lábios vermelhos. Ela sorri e tem batom nos dentes, mas ele não acha tão decadente como lhe costuma parecer. Os cabelos das outras senhoras são roxos e vermelhos e parecem capacetes, um contraste engraçado com as rugas que gritam a idade avançada. Pergunta-se de onde saíram, aquelas velhas senhoras tão arranjadas. Risos explodem algures, a música parece mais alta enquanto entram mais pessoas nas paragens seguintes. Ele observa o seu redor. As pessoas parecem felizes, generosas, ouvem a música, alguns passageiros abanam o pé e falam, entre eles, alguns até perfeitos estranhos. Algo na música tocada por aquela criança une.
A criança pára, agradece e estende um chapéu de feltro, passando pelos corredores do metro. Quase todos contribuem. Ele faz parte do grupo que não contribui, não se sente impelido a isso. A criança faz uma vénia e sai na paragem seguinte, correndo para um adulto de bigode e acordeão que lhe lembra outro músico qualquer.
O metro fica silencioso. De repente, ele sente que algo se perdeu. Algo grande e importante. Como um ataque de pânico, falta-lhe o ar e sente uma dor forte num sítio inespecífico, talvez a alma, talvez o estômago, talvez a ciática. Mas não consegue evitar essa sensação. Ele perdeu algo. Uma qualquer mensagem que não conseguiu agarrar a tempo, que foge como uma sombra no canto do olho. Uma mensagem qualquer extremamente importante e urgente, como uma voz importante que chama o nosso nome mas que não conseguimos reconhecer nem descobrir de onde vem.